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sexta-feira, 6 de julho de 2007

Consumismo

Muitas pessoas dão mais valor ao "ter" do que ao "ser".
Valorizam mais aquilo que se compra e se pode mostar aos outros como símbolo de 'status'.
Roupas de marca. Óculos. Bolsas. Sapatos. Telefones celulares. Carros. E tantas outras coisas.
Mas, por dentro, essas pessoas são vazias. Porque se esquecem de SER.


EU, ETIQUETA

Carlos Drummond de Andrade

Em minha calça está grudado um nome
Que não é o meu de batismo ou de cartório
Um nome estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente.
Meu copo, minha xícara.
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências,
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante e sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas.
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandálias de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais.
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
De vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarificados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De não ser eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu novo nome é Coisa
Eu sou a Coisa, coisamente.

Caderno B, Jornal do Brasil, 16.01.1982

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