Recentemente, assisti ao
documentário "Dossiê 50: Comício a favor do Náufragos", do jornalista
Geneton Moraes Neto, na Globo News. Ele entrevistou todos os onze titulares da
seleção brasileira vice-campeã mundial da Copa de 1950, na derrota de 2x1 para
o Uruguai no Maracanã, que ficou conhecida como "Maracanaço". E mais
o ponta direita uruguaio Gigghia, que fez o segundo gol, o gol do título, e
único dos 22 jogadores que entraram em campo naquele domingo, dia 16 de julho
de 1950, ainda vivo. As entrevistas foram realizadas em fitas cassetes, entre
abril de 1986 e setembro de 1987. É, com certeza, um registro raro, de enorme
valor histórico.
A narração do documentário
é de Paulo Cesar Peréio, com uma dicção prejudicada provavelmente devido a
problemas dentários. Algumas imagens foram mal escolhidas, pouco tinham a ver
com o espírito da final no Maracanã: um anônimo fazendo 'embaixadinhas', por
exemplo. E os atores Claudio Jaborandy, Milton Gonçalves e Chico Diaz
interpretaram parte das respostas dos jogadores, algumas vezes repetindo o que
se ouvia da boca dos atletas. Não ficou bom. Mas o principal do filme são os
depoimentos, os dramas humanos daqueles brasileiros, jogadores marcados para
sempre por conta de um dia, de uma derrota. A maioria morreu abandonada,
esquecida, longe dos dias de glória, e com problemas financeiros e de saúde. O
time: Barbosa, Augusto, Juvenal, Bauer, Danilo, Bigode, Friaça, Zizinho,
Ademir, Jair e Chico.
O goleiro Barbosa,
que jogava no Vasco da Gama, com certeza foi, de todos, aquele apontado como o
maior culpado pela derrota. Afinal, ele teria engolido um frango no segundo gol
uruguaio. Barbosa conseguiu fazer piada,
dizendo que, ao contrário do que dizia Gigghia, ele, o papa e Frank Sinatra não
seriam os únicos a terem calado o Maracanã: "Eu também fiz o Brasil calar,
e chorar todinho, não é só ele que tem o privilégio não!" E riu. Como ele
conseguiu fazer piada com o assunto, não sei. Conta que os jogadores
brasileiros tiveram suas imagens exploradas pelos políticos, que os usaram como
"bonecos, garotos-propaganda". O goleiro explica que foi surpreendido
pelo chute de Gigghia, pois esperava que ele cruzasse para a chegada de um
companheiro na pequena área, como já tinha acontecido algumas vezes na partida.
Mas Gigghia chutou e a bola entrou. Barbosa
diz que a derrota foi resultado da falta de respeito da seleção brasileira ao
adversário, de excesso de confiança. É dele a frase mais marcante dos jogadores
que participaram daquela final: "A pena máxima no Brasil é de 30 anos. A
minha já dura 50 anos, jamais fui perdoado!."
O capitão do Brasil, Augusto
(Vasco da Gama), disse que, mesmo após o fim do jogo, e da derrota, sonhou
durante muitos dias que estava levantando a taça Jules Rimet, como campeão
mundial.
Juvenal (Flamengo)
voltou para sua residência, em Laranjeiras, de táxi, onde se trancou com a
família.
Bauer (São Paulo) Um
repórter da então revista O Cruzeiro o convencera a devolver a passagem
de trem em que retornaria no dia seguinte ao jogo para São Paulo, para ficar no
Rio para a "festa do título". Com a derrota, o repórter não voltou
mais a procurá-lo e ele teve que voltar a São Paulo de favor, sentado no chão
do trem. Dos onze titulares da seleção brasileira de 1950, apenas Bauer foi
titular na Copa do Mundo seguinte, em 1954, na Suíça.
Danilo (Vasco da
Gama). Critica o oportunismo dos políticos à época, que se aproveitaram dos
jogadores para suas campanhas, às vésperas da eleição. Teve que sair do Rio de
Janeiro.
Bigode (Flamengo)
Reclama da fama de covarde que lhe colocaram por não ter revidado a um suposto
tapa no rosto que Obdulio Varela teria lhe dado. Segundo ele, o jogador uruguaio lhe deu
"um tapinha" no pescoço pedindo calma. "Uns dizem que me cuspiu
na cara, outros que foi tapa. (...) Eu é que mais sofri, com essa
calúnia."
Friaça (São Paulo).
Pelo menos por enquanto, é o único jogador brasileiro a ter marcado um gol em
Copa do Mundo no Brasil. Disse que prêmios foram prometidos a quem fizesse o
primeiro gol contra o Uruguai, mas depois do jogo ninguém cumpriu o prometido,
apesar de ter cobrado as promessas. Após o jogo, teve um surto e diz que só
lembrava ter chegado com o seu carro em Teresópolis. Sua família ficou
preocupada, sem notícias. Conta que foi o prefeito da cidade que o reconheceu e
o levou a uma clínica para se recuperar.
Zizinho (Bangu)
Depois do Maracanaço, teve vontade de abandonar o futebol. Conta que
após a final, quando todos os jogadores brasileiros estavam chorando no
vestiário, viu um dirigente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos)
vibrando por conta da renda do jogo.
Ademir Menezes (Vasco
da Gama) Contou que foi feita uma foto da seleção antes da final, da qual,
segundo ele, fizeram uma montagem, colocando uma faixa em que se lia "Os
campeões do mundo". Após a derrota para o Uruguai, Ademir conta que pegou
a esposa e foi até Itacuruçá, onde se hospedou em um hotel e ofereceu pagar a
diária em dobro para que ninguém soubesse que ele estava lá. Mas não adiantou.
Foi de Ademir o depoimento mais contundente do filme. Ele afirmou que o grande
culpado da derrota do Brasil para o Uruguai "foi o Juvenal, ele que
deveria ter dado combate a Gigghia".
Jair (Palmeiras)
Disse que Ari Barroso, compositor e vereador, "prometeu emprego para todo
mundo na prefeitura", mas depois não cumpriu.
Chico (Vasco da
Gama) Conta ter proposto a Ademir e a Zizinho que ele faria uma falta desleal
no Obdulio
Varela, considerado o líder da seleção uruguaia, para tirá-lo do jogo, mas eles
não aceitaram a ideia. Segundo ele, se tivesse acontecido, o placar poderia ter
sido outro. Ainda lamenta também que teria empatado o jogo quando estava 2x1 em
um chute, mas o Ademir interceptou a bola; segundo ele, seria o gol do empate e
do título. Disse que passou uma semana depois da final sonhando que o jogo
ainda seria realizado.
Geneton Moraes Neto foi ao
Uruguai e também entrevistou Gigghia. Em junho de 2012, Gigghia sofreu
um acidente, tendo seu carro atingido por um caminhão, chegando a ficar em
coma. Doente, morando em uma casa simples, alugada, de apenas dois quartos, e
contando com a ajuda financeira de terceiros, Gigghia é o único jogador daquela
final de 1950 ainda vivo. Segundo ele, os dirigentes uruguaios já tinham
retornado a seu país no dia anterior à final, não acreditavam na vitória do
Uruguai. Ele e os demais jogadores campeões precisaram juntar dinheiro para
comprar algo para comer e festejar a conquista no quarto do Hotel Paysandu, no
Flamengo. fr
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