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sábado, 27 de outubro de 2018

Dica de livro: "Casa Velha"

Casa Velha, Machado de Assis, com introdução de Lúcia Miguel Pereira e ilustrações de Santa Rosa; Livraria Martins Editora, São Paulo, 1968, 202 páginas.
           
          Em “Casa Velha”, um padre relata o que lhe contou “um velho cônego da Capela Imperial” sobre uma estória ocorrida com ele em abril de 1839, então com apenas 32 anos, justamente o ano do nascimento de Machado de Assis. 
          
          Após ler “as Memórias que outro padre, Luís Gonçalves dos Santos, o Padre Perereca chamado, escreveu do tempo do rei”, o qual considerou “medíocre”, ele resolveu escrever um livro sobre o “reinado” de D. Pedro I. O autor usa este termo, apesar da historiografia preferir considerá-lo imperador, mesmo que um imperador sem um império propriamente. Em 1839, o Brasil estava sendo governado pela Regência Una de Pedro de Araújo Lima, após a renúncia de D. Pedro I, e por conta do filho, Pedro de Alcântara, ser ainda menor de idade.  
           
          O cônego, que não tem seu nome identificado no livro, passa a frequentar a casa de dona Antônia, viúva de um ministro, para pesquisar a biblioteca que ele deixou. E acaba envolvido em uma complicada relação entre Félix, o filho da viúva, e Cláudia, a “Lalau”, uma agregada da casa, de “não mais de dezessete anos” e que perdera os pais bem cedo. Dona Antônia não queria que os dois se casassem. Apesar de amar a moça, a quem educou, dizia que desejava alguém para o filho que estivesse à altura do nome da família, enfim, uma questão de orgulho.
 
“A casa, cujo lugar e direção não é preciso dizer, tinha entre o povo o nome de Casa Velha, e era-o realmente: datava dos fins do outro século. Era uma edificação sólida e vasta, gosto severo, nua de adornos. Eu, desde criança, conhecia-lhe a parte exterior, a grande varanda da frente, os dois portões enormes, um especial às pessoas da família e às visitas, e outro destinado ao serviço, às cargas que iam e vinham, às seges, ao gado que saía a pastar. Além dessas duas entradas, havia, do lado oposto, onde ficava a capela, um caminho que dava acesso às pessoas da vizinhança, que ali iam ouvir missa aos domingos, ou rezar a ladainha aos sábados.”

Com a convivência, o próprio cônego percebeu amar Lalau, mas sabia da impossibilidade de qualquer relação com ela. Procurou, então, se esforçar para ajudá-la: “impedido de a amar na terra, procurava ao menos fazê-la feliz com outro”. D. Antônia, no entanto, pediu a sua ajuda para afastá-los, dizendo que o amor entre os dois era impossível por eles serem irmãos. Lalau também seria filha do ex-ministro.
Atenção, a seguir vou escrever informações sobre o final do livro, então, quem não quiser saber antecipadamente, pare aqui!

O padre, então, passou a querer afastar os dois, contando-lhes o seu parentesco, o que lhes causa grande tristeza. Mas, ao revelar este segredo também à Dona Mafalda, tia de Lalau, com quem ela voltou a morar após saber dos laços familiares que a uniam a Félix, a parente desmentiu Dona Antônia. A verdade era que Lalau não era filha do ex-ministro, mas que este havia tido um outro filho com a mãe dela, que morreu prematuramente aos quatro meses de idade. Lalau já era nascida à essa época.
          O padre confrontou Dona Antônia, que lhe confessou ter mentido para separar o casal. Mas afirmou desconhecer a traição do marido e o nascimento e morte da criança, dizendo ter sido punida com a revelação. E que a punição deveria ser completa, passando a concordar com o casamento. Mesmo com tudo esclarecido e sem o impedimento ao casamento com Félix, Lalau, no entanto, não quis mais casar-se com ele. Alegou que continuava amando a mãe, mas “não poderia casar-me com o filho do mesmo homem que envergonhou minha família”.
O padre pediu que Lalau refletisse e mudasse sua decisão; a tia Mafalda, Dona Antônia e o próprio Félix também, mas ela não quis. E, mais tarde, acabou casando com Vitorino, filho de um “segeiro”, que consertava as carruagens da Casa Velha. E Félix casou-se com Sinhazinha, neta de uma baronesa amiga da mãe dele. O padre finalizou a estória: "Se ele e Lalau foram felizes, não sei; mas foram honestos, e basta".
            “Casa Velha” foi publicado em partes, de janeiro de 1885 a fevereiro de 1886, na revista feminina “A Estação”, do Rio de Janeiro. Porém somente saiu em livro muitos anos depois, em 1943, através da crítica literária Lúcia Miguel Pereira, quando Machado de Assis já não era mais vivo. A edição do livro que eu li, de 1968, tem uma extensa introdução de Lúcia Pereira. Segundo ela, o livro não é dos melhores de Machado de Assis:
            “Afirmar que não é das melhores obras de Machado de Assis não equivale a dizer que é de todo ruim. Ao contrário, o pior Machado ainda é superior a muito romancista que anda por aí reeditado e admirado; nada do que escreveu foi vulgar; em nenhum trabalho, por mais ligeiro que fosse, deixou de por a marca da sua finura, da sua sobriedade, da sua natural e comedida graça de espírito e de forma.”
           Lúcia Pereira acreditava que, apesar de ter sido publicado em uma revista já na fase realista, ou de maturidade do autor, entre 1885 e 1886, o texto pertence à sua fase romântica. O texto seria anterior a 1880, quando se iniciou a fase da maturidade, e deveria estar pronto e guardado, mas, como Machado de Assis tinha que apresentar algo para a revista anos depois, recorreu a ele.    
Após o final do livro, tem ainda o conto “Uma por outra”. Josino é um estudante de “matemáticas”, que morava em um pobre sótão na Rua da Misericórdia, que dava para o antigo Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. Em uma ida ao teatro, ele se encantou com uma mulher no camarote, a quem nomeou de “Silvia”. E da janela do seu sótão, via em uma das casas do morro uma outra mulher, por quem se apaixonou, e deu o nome de “Pia”. Quando sua mãe morreu, viajou para a província para o enterro e para passar algum tempo com o pai. Quando retornou, conheceu um negociante e sua família no “vapor” que o trazia para a Corte, e se interessou pela filha, Estela.
           No Rio, ficou sabendo que o amigo Fernandes, a quem pediu que localizasse a “moça do Castelo”, iria casar com ela. Sem ressentimentos, disse que iria casar também, só faltava pedir a mão ao pai de Estela. Dias depois, acompanhando-a em um casamento, reconheceu a noiva como sendo a moça por quem se encantara no camarote do teatro, seu nome era Margarida. O pai de Estela, porém, resolveu fazer uma viagem de emergência para São Paulo, levando a família. Meses depois, Josino ficou sabendo que Estela casara-se com outro rapaz, em Sorocaba. Sem as mulheres que despertaram seu interesse, acabou, no entanto, encontrando alguém:
“Assim pois, uma por outra, vim trocando as mulheres possíveis e perdendo-as sucessivamente. Aquela com que afinal me casei é que não substituiu nenhuma Sílvia, Margarida ou Estela; é uma senhora do Crato, meiga e amiga, robusta apesar de magra, mãe de dois filhos que vou mandar para o Recife, um dia destes.” fr

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