
Relíquias de Casa
Velha,
Machado de Assis, São Paulo, editora Globo, 1997, 138 páginas (Obras completas
de Machado de Assis).
Livro de contos de Machado de Assis
(1839-1908). O primeiro, “Pai contra
mãe” eu já tinha lido e comentado aqui no meu blog, em 26 de agosto de
1017, no livro “Contos Escolhidos”. Ambientado na cidade do Rio de Janeiro
colonial, ele mostra um pouco da realidade da época, que convivia com a
escravidão e as práticas relacionadas a ela. Uma delas era a profissão de
caçador de escravos fugitivos. O curioso é justamente que o autor, Machado de
Assis, é neto de escravos alforriados.
Cândido
Neves, o Candinho, não aguentava manter-se no mesmo emprego muito tempo. A
atual ocupação dele era justamente recapturar os escravos que fugiam de seus
proprietários, em troca da recompensa em dinheiro. Quando a esposa engravidou,
ele estava há muito tempo sem conseguir recapturar nenhum, e tinha dívidas e
alugueis atrasados.
A tia da esposa, com quem moravam, sugeriu
que eles entregassem a criança que ia nascer à “roda dos enjeitados”, na Rua
dos Barbonos, atual Rua Evaristo da Veiga, no Centro. Aquela consistia em um
mecanismo no qual a criança era colocada pelo lado de fora, e mandada para
dentro de uma instituição de caridade, sem que a pessoa fosse vista. Após serem
colocados para fora de casa pelo proprietário, Candinho e a família foram morar
de favor em uma casa de uma senhora rica, amiga da tia, dois dias antes do
filho, um menino, nascer.
Sem dinheiro, e com medo da criança
morrer de fome, Candinho acabou por aceitar a sugestão da tia, mas, ao levar o
filho para a “roda”, visualizou de longe uma escrava fugitiva, com uma boa
recompensa, e resolveu tentar uma última e desesperada tentativa... Eu acho
esse conto muito interessante. Aqueles que quiserem ler o texto, eu o reproduzo
abaixo, na íntegra, copiado da internet.
O conto a seguir, “Maria Cora”, passa em 1893, durante a Revolução Federalista, no
Sul do país. Cora deixou o Rio Grande, após ser traída duas vezes pelo marido,
e veio para o Rio de Janeiro, morar com uma tia rica, e definir o que faria, se
pediria o desquite ou não. Conhece o narrador do conto, um solteirão de 40
anos, que se apaixona e se declara a ela. Maria Cora diz que, mesma separada do
marido, ainda era uma mulher casada. Ele, então, diz que iria ao Sul para
combater a revolta, ao lado dos legalistas, e matar o marido, para ficar com
ela. Encantada, Cora diz a ele que não acreditava que alguém a amasse com tal
força. Ele se engaja na guerra, passa anos em combate, mata o marido da amada,
mas, ao reencontrá-la se surpreende com sua reação.
No terceiro conto, “Marcha fúnebre”, Machado de Assis
situa a estória em “uma noite de agosto de 186...”, não precisa o ano, contada
por um narrador. O deputado Cordovil passou a pensar sobre a morte, após tomar
conhecimento, durante um baile, do falecimento de um outro político, seu inimigo
pessoal, que se encontrava doente há meses. Não comemorou a notícia, nem teve
sentimento de vingança. Ao voltar para a casa, na Rua de São Cristóvão, viu um
homem caído no chão, morte fulminante por questões naturais, ficou sabendo. A
partir de então, passou a imaginar se a morte do colega tivesse sido durante
uma sessão na Câmara. E se ele próprio morresse dentro do carro que o levava
para casa ou na cama, dormindo. Passou a refletir sobre a inevitável hora da
morte.
Em “Um capitão de voluntários”, estória ocorrida em 1866, registrada
por Simão de Castro e entregue para publicação a um amigo, com a condição de
ser após a sua morte. O amigo acabou por não o fazê-lo, por achar que o relato
poderia causar algum desconforto aos envolvidos. A estória acabou sendo
divulgada após a morte dos dois, Simão apaixonou-se por Maria, mulher de Emílio.
Ela vivia há anos com esse homem, mesmo sem terem se casado, e um dia acaba
beijando Simão, mas, depois disso, arrepende-se. Ao ouvir uma conversa de Maria
com uma amiga, Raimunda, esta tentou convencê-la a voltar a se aproximar de
Simão. Desiludido, o marido alistou-se como voluntário na Guerra do Paraguai.
Apesar disso, a mulher não voltou atrás na decisão de se afastar de Simão.
Emílio acabou morrendo na guerra. Não gostei muito deste conto.
“Suje-se
gordo!”, é
um interessante conto sobre um senhor acostumado a participar de júris, como um
dos jurados. Em um deles, viu o acusado ser condenado pelo roubo de uma pequena
quantia, através de falsificação. Anos depois, encontrou-se em uma situação
parecida, só que o réu era um dos jurados daquele julgamento, no qual à época
votou pela condenação, ainda afirmando que a quantia em questão era uma
miséria: ‘Quer sujar-se? Suje-se gordo!’. Neste julgamento, ele, como jurado,
votou pela condenação pelo crime de desvio também de uma quantia ínfima de um
banco. O réu acabou inocentado por 9x3, e depois disso passou a não querer
tomar mais parte de julgamentos: “Não queirais julgar para que não sejais
julgados”. Interessante.
O conto “Umas férias” mostra as reações de um menino de 10 anos, que
acredita ir para uma festa quando o tio vai buscar a ele e à irmã no meio da
aula. Mas, ao chegar em casa, descobre que o motivo era bem diferente; o pai
morrera. Foram férias da escola, mas não férias para brincar ou se divertir.
“Evolução” é um conto
que mostra a necessidade de o país abrir estradas de ferro para impulsionar o
seu desenvolvimento. Não gostei.
“Pílades
e Orestes” mostra
a estória de dois amigos de infância, que se formaram em Direito juntos, e
seguiram a vida sempre próximos. Apesar de terem praticamente a mesma idade,
Quintanilha tratava Gonçalves com enorme atenção, carinho e respeito, chegando
a ponto de ajudar o amigo em seu escritório de graça, mas sendo tratado como se
um empregado fosse. Quando Quintanilha se apaixonou por uma prima em segundo
grau, e resolveu casar-se com ela, pediu a opinião ao amigo. Este pareceu
contrariado, e Quintanilha acreditou que ele amasse a sua prima, e resolveu
abrir mão dela. A mim, pareceu que Gonçalves não esperava que o amigo fosse seguir
vida própria, casando-se. Quintanilha chegou a propor à prima que se casasse
com o amigo, e ele deixaria sua fortuna para ela em testamento. Ela não
aceitou, mas gostou de saber que Gonçalves poderia gostar dela, o que os
aproximou. Quintanilha resolveu, então, colocar o amigo como único herdeiro;
foi seu padrinho de casamento com a sua prima; e padrinho do primeiro filho do
casal. E morreu, em 1893, atingido por uma bala perdida (já existia isso no
século 19!) na Praça 15. A “bala revoltosa” que o atingiu foi durante a Revolta
da Armada, movimento militar contrário ao governo do marechal Floriano Peixoto.
O título é uma referência a uma tragédia grega. Mas o texto de Machado de Assis
mostra uma pessoa extremamente dedicada a um amigo, a ponto de abrir mão de sua
felicidade para assegurar a dele. É amizade demais!
“Anedota
de Cabriolet”:
um cabriolet (um tipo antigo de carruagem de duas rodas, puxada por um cavalo,
com dois lugares) vai buscar o pároco para dar os sacramentos a dois jovens
muito doentes. Era um casal desconhecido na localidade, e que estava na casa de
um comendador, porque eram conhecidos de seu filho. O padre fica sabendo da
estória triste do casal. Criados juntos, estavam noivos e iriam se casar,
quando souberam por uma parenta que eram irmãos por parte da mãe. Por serem
apenas meio-irmãos, resolveram, então, fugir de casa em um cabriolet para levar
adiante a ideia do casamento. Mas acabaram sendo seguidos e descobertos na casa
desse comendador; o conto não informa, mas possivelmente por parentes. E
adoeceram por não poderem ficar juntos, e morreram. O sacristão acaba
descobrindo que o cabriolet usado para a fuga do jovem casal era o mesmo que
serviu para levar ele e o padre até os dois para a extrema-unção. Está mais
para uma curiosidade triste do que uma “anedota”.
O livro é encerrado com com quatro
textos de Machados de Assis, que eu não achei interessantes. “Gonçalves Dias”
discurso lido no Passeio Público ao inaugurar-se o busto do poeta. “Um Livro
(Cena da Vida Amazônica)”, sobre um livro de José Veríssimo. “Eduardo Prado”,
sobre a sua morte. “Antônio José”, para ser sincero, eu nem quis ler. Estes
textos finais parecem ter sido encaixados para completar o livro, não me
despertaram nenhum interesse. Mas, com certeza, valeu a pena ler mais este
livro de contos de Machado de Assis. fr
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