Já há muito tempo
eu queria rever o jogo Brasil e Itália, pela Copa do Mundo da Espanha, de 1982.
O Brasil tinha um timaço, era o grande favorito para ser campeão, e não vencia
um Mundial há 12 anos. A partida ocorreu no dia 5 de julho, no estádio Sarrià,
em Barcelona, válida pelo grupo C da segunda fase
do Mundial. E nós tínhamos a nosso favor a vantagem de nos classificarmos à
próxima fase com um empate por qualquer placar, já que a seleção brasileira tinha
um gol a mais do que os italianos. Mas o Brasil perdeu por 3 x 2.
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Ao que consta, o time não tirou a tradicional foto antes do início da partida com a Itália.
Nesta, vê-se o time que inicou jogando no dia 5 de julho de 1982. |
Eu tinha apenas 14
anos e fiquei muito triste, claro. Somente por estes dias, mais de 30 anos
depois, eu voltei a assistir a essa partida. E passo para o meu blog o que eu
achei de mais interessante. Desta vez, assistir a esse jogo não teve a mesma
emoção e tristeza daquele dia, ao vivo, mas nem por isso deixou de ser
interessante rever uma das partidas mais marcantes da minha vida.
A
seleção brasileira era formada por Waldir Peres; Leandro, Oscar, Luisinho,
Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates, Zico; Serginho e Éder. O treinador era Telê
Santana, que também viria treinar o Brasil na Copa seguinte, no México. Assisti
a partida através do youtube (a imagem não é lá essas
coisas, mas dá para assistir bem), a transmissão foi da Globo. A narração foi
de Luciano do Valle e os comentários de Márcio Guedes, ambos não estão mais na
emissora já há muito tempo. O Brasil jogou com o seu uniforme mais tradicional,
camisa amarela, calção azul e meias brancas. A Itália jogou de camisa e meias
azuis e calção branco.
O time titular do Brasil na Copa do Mundo da Espanha.
Algumas
curiosidades da época:
. Os
goleiros podiam agarrar com as mãos a bola quando atrasada por um companheiro;
. Nas cobranças de
faltas, o árbitro israelense Abraham Klein não contava os nove passos para
marcar a posição das barreiras das duas seleções, que se adiantavam muito, com a conivência do árbitro
(o spray utilizado
hoje em dia no Brasil seria muito útil naquele dia);
. Nesta partida,
pelo menos, os dois treinadores limitavam-se a ficar sentados no banco, junto
aos reservas, e não ficavam em pé, como atualmente é permitido;
. A transmissão da
Copa do Mundo era feita pela TV espanhola, mas a Globo colocou nos jogos do
Brasil câmeras exclusivas mostrando ao vivo imagens das torcidas e de alguns
lances específicos;
. Nos gols
brasileiros, a Globo mostrava a assinatura do jogador, eram gols “assinados”,
algo bem legal, mas que já não vejo mais fazerem há bastante tempo;
. O estádio Sarrià
foi demolido em 1997, e construído no seu lugar um luxuoso conjunto
residencial.
A partida começou
mal para o Brasil. Logo aos 4’50” do primeiro tempo, a Itália fez 1 x 0. Em um
cruzamento de Cabrini pela intermediária esquerda, ninguém cortou, e Paolo
Rossi cabeceou para fazer o primeiro dos três gols que faria naquele dia. Aos
10’20”, Serginho perdeu um gol cara a cara com o goleiro italiano, chutando
muito mal. Serginho, aliás, foi o único jogador que atuou muito mal nesta
partida, foi muito marcado e não conseguiu abrir espaços na defesa italiana.
Não era ele o preferido de Telê Santana. Reinaldo, do Atlético Mineiro, não foi
convocado, por estar se recuperando de contusão. E Careca era para ser o
titular, mas também se contundiu já na Espanha, pouco antes da estreia do
Brasil, e foi cortado. Serginho acabou sendo o titular.
O empate do Brasil veio
logo em seguida, aos 11’55”, em uma linda jogada de Zico, que driblou Gentile e
deu o passe para Sócrates penetrar e chutar no canto esquerdo de Zoff. Cinco minutos depois, Gentile fez falta em Zico e recebeu
cartão amarelo. Gentile passou a partida inteira marcando Zico, e já devia ter
recebido antes um cartão amarelo, fez outras faltas para cartão, mas o árbitro
não deu. Gentile deveria ter sido expulso. Abraham Klein deixou também de
dar outros cartões amarelos, para os dois lados. O árbitro não esteve bem na
partida, inclusive permitindo a cobrança de faltas com a bola em movimento.
Zico, por sua vez, deveria ter explorado o fato de seu marcador ter um cartão
logo no início da partida e tentado mais jogadas individuais em cima dele, para
que ele recebesse outro cartão.
O 2º gol da Itália,
aos 24’45”, foi resultado de um erro infantil de Toninho Cerezo, que, na
intermediária do Brasil, deu um passe de maneira displicente da direita para o
meio-campo. Paolo Rossi se adiantou a dois brasileiros, cortou o “passe”,
penetrou e chutou forte para fazer o segundo da Itália. Não se pode tomar um
gol assim em Copa do Mundo! Na partida toda, a propósito, os dois times erraram
muitos passes.

Aos 41 minutos,
Gentile puxou a camisa de Zico, já dentro da área italiana, mas o árbitro não
marcou pênalti. Zico reclamou bastante, mostrando a sua camisa rasgada (foto). Poderia
ter sido o gol de empate brasileiro. O árbitro israelense não apenas não marcou
o pênalti, como marcou toque de mão do Zico na bola, ou seja, falta contra o
Brasil!
Aos 12’50” do
segundo tempo, Paolo Rossi perdeu um gol cara a cara com Waldir Peres, que saiu
muito bem do gol. Mas, aos 23 minutos, Júnior virou o jogo para a direita do
ataque brasileiro, passando para Falcão, que enganou três jogadores italianos
fingindo que ia passar para Cerezo, e, da entrada da grande área, acertou um
lindo chute no canto direito do gol da Itália, um golaço. O Brasil conseguia o
empate, faltando pouco mais de 20 minutos para o fim da partida, resultado que
nos classificava para a próxima fase. Em seguida, Telê Santana tirou Serginho,
colocando em seu lugar Paulo Isidoro.
Aos 25 minutos,
Éder roubou uma bola na intermediária e poderia ter passado para Sócrates fazer
o gol, excelente oportunidade perdida para o Brasil. Mas, quatro minutos
depois, após uma cobrança de escanteio, a bola sobrou livre para Paulo Rossi,
de novo, marcar o terceiro gol da Itália, em uma distração da defesa que o
deixou sem marcação. Júnior ainda levantou o braço pedindo o impedimento, mas
ele próprio dava condições a Rossi. Marcio Guedes, o comentarista, passou a
partida inteira esbanjando otimismo, sempre destacando a superioridade técnica
brasileira, e que o Brasil tinha totais condições de se classificar, o que
acabou não acontecendo.
Aos 37 minutos, a
torcida italiana gritava olé, já confiante. Aos 42’40”, Antognoni, que tinha
acabado de entrar, recebeu passe de Oriali e fez o que seria o quarto gol
italiano, mas o árbitro israelense anulou. O locutor, Luciano do Valle, disse
na narração que foi “bem marcado o impedimento”. Mas, vendo a imagem,
percebe-se que Oscar dava condições, na mesma linha (foto), portanto, foi mal
anulado.

Em seguida, foi a
vez do Brasil quase fazer o que seria o gol de empate, o gol da classificação.
Aos 43’30”, Éder cobrou uma falta, lançando a bola para a área. Oscar cabeceou
no canto inferior esquerdo do gol, mas Zoff fez uma difícil defesa em cima da
linha. Oscar, Sócrates e Zico chegaram a pedir o gol. Recentemente, em
entrevista à televisão, Oscar disse que aquele teria sido o gol da sua vida, e
teria sido mesmo! O árbitro terminou o 2º tempo, assim como o primeiro, dando
apenas pouco mais de um minuto de acréscimo; para ser correto, deveria ter dado
pelo menos cinco em cada um. Mais um erro da arbitragem.
Além de
Paolo Rossi, por ter feito os três gols da Itália, o grande nome da partida, em
minha opinião, foi justamente o goleiro italiano, Dino Zoff, que somente teve
uma falha, quando aos 37’30” do segundo tempo “furou” ao tentar chutar a bola, mas
seus companheiros foram rápidos para tirar o perigo. Zoff e Rossi foram
decisivos para a vitória italiana. O goleiro brasileiro, Waldir Peres, não foi
tão exigido, mas esteve bem, e não teve culpa em nenhum dos gols italianos.
O capitão Sócrates,
Falcão e Zico foram os melhores do Brasil, mas todos estiveram bem, com exceção
de Serginho, muito marcado. Leandro não esteve bem no primeiro tempo, mas se
recuperou no segundo. Foi uma partida sensacional, de muitas chances dos dois
lados. O Brasil perdeu, e o futebol também, porque aquela seleção era, com
certeza, a melhor e mais técnica do Mundial da Espanha. Mas, ganha quem faz
mais gols, e a Itália soube se aproveitar dos erros brasileiros e foi mais
eficaz.
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Na época, os gols do Brasil eram assinados pelos seus autores, muito bacana, podiam voltar com isso! |
Até aquela partida,
Paolo Rossi não tinha feito nem um gol sequer no Mundial, mas acabou sendo o
artilheiro, com 6 gols. E a Itália por muito pouco não foi eliminada da Copa do
Mundo logo na primeira fase. Conseguiu passar à segunda fase, atrás da Polônia,
apenas pelo critério de desempate, pois tinha mais gols do que a então
estreante seleção de Camarões. Brigada com a imprensa do seu país, quase voltou
para casa com três jogos e três empates, sem nenhuma vitória. Depois, venceu a
Argentina (2 x1 ), o Brasil (3 x 2), a Polônia (2 x 0) e a Alemanha, na final
(3 x 1). A decisão do Mundial foi apitada pela primeira vez por um árbitro não
europeu, o brasileiro Arnaldo Cesar Coelho, atualmente comentarista de arbitragem
da Rede Globo. Na decisão do terceiro lugar, Polônia venceu a França por 3 x 2.
O Brasil terminou o
Mundial da Espanha em quinto lugar, mas até hoje tem aquela seleção apontada
pelo que ficou conhecido como “futebol-arte”. Lembro-me bem de que as ruas do
Brasil estavam pintadas e enfeitadas com as cores da bandeira brasileira, a animação
e confiança eram grandes, eu mesmo tinha colocado um desenho meu do Pacheco,
personagem criado pela Gillette, na janela do apartamento onde morava com a
minha família. E os resultados da seleção até então justificavam a confiança: 2
x 1 URSS, 4 x 1 Escócia, 4 x 0 Nova Zelândia e 3 x 1 Argentina (até então, a
atual campeã).
Hoje, muitos
criticam Telê Santana por não ter jogado contra a Itália pelo empate,
aproveitando a vantagem que nos favorecia. Mas, se o Brasil jogasse pelo empate
e perdesse, esses mesmos que o criticam até hoje, também o criticariam da mesma
forma, afinal, diriam, “com um timaço daqueles, como o Brasil foi jogar pelo
empate?”. É mais fácil falar após saber o resultado.
Apesar de não
termos sido campeões, é bom saber que a seleção brasileira de 1982 será sempre
lembrada por ter jogado da maneira que todos que gostam do bom futebol querem,
no ataque, buscando o gol. Brasil e Itália foi um jogaço, qualquer uma das
seleções poderia ter saído de campo com a vitória. Como disse o locutor Luciano
do Valle durante a transmissão, este foi “o jogo que você jamais vai esquecer!”
E tinha razão, foi uma das partidas inesquecíveis que eu assisti, o resto faz
parte da História! E, afinal de contas, o Brasil veio a conquistar mais dois
títulos mundiais depois, em 1994 e 2002. E a final desta última é outra partida
inesquecível. Mas, esta é uma história para um outro dia... fr