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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Dica de livro: "Dom Casmurro"

Dom Casmurro, Machado de Assis, São Paulo, editora Klick, 1997, 269 páginas (Coleção Livros O Globo, vol. 1).
Aviso: O texto a seguir contém revelações sobre o enredo do livro.
Prosseguindo no firme proposito de ler todos os romances de Machado de Assis (1839-1908) e postar aqui no meu blog sobre cada um deles, reli “Dom Casmurro”. Publicado pela Livraria Garnier em 1900, mas informando em sua folha de rosto ter sido em 1899, é o terceiro livro que o autor escreveu influenciado pelo chamado Realismo, após “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba”, dos quais já escrevi aqui.
“Dom Casmurro” foi escrito pelo autor para ser publicado em livro, ao contrário de outros, que saíram inicialmente na imprensa, em publicações semanais. Considerado por muitos críticos a principal obra de Machado de Assis, e uma das mais importantes da literatura brasileira, foi traduzida para vários idiomas e adaptada para o cinema, teatro, televisão e quadrinhos. Tem como grande destaque o debate se Capitu traiu ou não o marido, Bento Santiago, o Bentinho.
            O livro é construído em capítulos, a maioria pequenos, e narrado pelo próprio Bento Santiago, de forma retrospectiva. A estória é entrecortada por alguns capítulos com passagens que nada têm a ver com ela propriamente, apenas reminiscências do narrador, divagações ou comentários soltos. O narrador não tem pressa, vai narrando de forma arrastada a estória, não há muita ação: “Suspendamos a pena e vamos à janela espairecer a memória”. Em determinado momento, o narrador reconhece:
“Aqui devia ser o meio do livro, mas a inexperiência fez-me ir atrás da pena, e chego quase ao fim do papel, com o melhor da narração por dizer. Agora não há mais que levá-la a grandes pernadas, capítulo sobre capítulo, pouca emenda, pouca reflexão, tudo em resumo. Já esta página vale por meses, outras valerão por anos, e assim chegaremos ao fim.”
 
Bento Santiago mora apenas com um criado em uma casa no Engenho Novo, no Rio de Janeiro. A sua residência foi construída para reproduzir a casa em que foi criado na Rua de Matacavalos, atual Rua Riachuelo, no Centro da cidade. É mais um livro que Machado de Assis recorre a um narrador para contar a estória. E é ele quem explica a origem do apelido que deu origem ao título do livro:
“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.
— Continue, disse eu acordando.
— Já acabei, murmurou ele.
— São muito bonitos.
Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim (...)”
 
As lembranças têm início em novembro de 1857, em sua infância, quando Bentinho, como era carinhosamente chamado, era muito próximo da vizinha Capitolina, a Capitu, ambos com 14 anos, mas esta era mais madura e segura de si. A amiga era filha de um modesto funcionário público. Conviviam desde os quatro anos e se apaixonaram, mas a mãe de Bentinho havia feito uma promessa no seu nascimento que ameaçava o amor dos dois. O primeiro filho de D. Glória nascera morto, e ela fez a promessa que se o próximo sobrevivesse, sendo menino, ela o levaria para a Igreja.
Sem poder contar com a ajuda do pai, que já morrera, recorreu à ajuda de José Dias, um agregado que vivia com sua família há anos, e o incentivava a ir estudar na Europa, a fim de acompanhá-lo como uma espécie de responsável. O pai de Bentinho fora um fazendeiro e político. Mas nada fez com que D. Glória voltasse atrás em sua promessa, nem mesmo o fato do filho dizer não ter vocação e pedir para que ela desistisse da ideia. Nos dois anos em que estudou no seminário, voltando para casa aos sábados, conheceu Ezequiel Escobar, que passou a ser seu grande amigo.
E é justamente Escobar que encontrou a solução para Bentinho conseguir se livrar de se tornar padre, sem que a mãe quebrasse sua promessa. D. Glória financiaria os estudos religiosos de algum menino órfão, em substituição ao filho. Convencida de que o filho não tinha a vocação necessária para seguir a vida religiosa, D. Glória permitiu que Bentinho deixasse o seminário para estudar Direito em São Paulo. O amigo Escobar fez o mesmo, tornando-se comerciante, e casando com Sancha, melhor amiga de Capitu.
Após formar-se em Direito e retornar para o Rio de Janeiro, Bentinho e Capitu casaram-se em 1865. As duas famílias constantemente se encontravam, visitando-se regularmente. Ezequiel e Sancha tiveram uma filha e a batizaram com o nome da amiga, Capitu. Anos depois, Bentinho e a esposa também tiveram um filho, a quem deram o nome de Ezequiel. O nascimento da criança demorou, reforçando para alguns estudiosos da obra de Machado de Assis o possível adultério de Capitu por conta de uma suposta dificuldade de Bentinho em ser pai.
            Corroído pela convicção de ter sido traído, Bentinho passou a sentir aversão ao filho. Em momento de desespero, chegou a pensar em cometer o suicídio colocando veneno em seu café, mas no momento em que iria se matar o filho entrou em seu escritório. Ele decidiu, então, matar a criança com o mesmo veneno, porém desistiu. Falou para Ezequiel que não era o seu pai, sendo ouvido por Capitu, que negou a traição. Bentinho decidiu que os dois deviam se separar, e passou a viver recluso, mantendo romances esporádicos e sem importância com algumas mulheres, tornando-se, assim, o ‘Dom Casmurro’ do início do relato.
            O grande diferencial deste livro é justamente a dúvida suscitada quanto a verdadeira paternidade do filho de Capitu, devido a sua semelhança física com Ezequiel.  É, com certeza, a grande questão da literatura nacional: Capitu traiu ou não Bentinho? fr

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