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segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Dica de livro: "Relíquias de Casa Velha"


Relíquias de Casa Velha, Machado de Assis, São Paulo, editora Globo, 1997, 138 páginas (Obras completas de Machado de Assis).
          Livro de contos de Machado de Assis (1839-1908). O primeiro, “Pai contra mãe” eu já tinha lido e comentado aqui no meu blog, em 26 de agosto de 1017, no livro “Contos Escolhidos”. Ambientado na cidade do Rio de Janeiro colonial, ele mostra um pouco da realidade da época, que convivia com a escravidão e as práticas relacionadas a ela. Uma delas era a profissão de caçador de escravos fugitivos. O curioso é justamente que o autor, Machado de Assis, é neto de escravos alforriados.
Cândido Neves, o Candinho, não aguentava manter-se no mesmo emprego muito tempo. A atual ocupação dele era justamente recapturar os escravos que fugiam de seus proprietários, em troca da recompensa em dinheiro. Quando a esposa engravidou, ele estava há muito tempo sem conseguir recapturar nenhum, e tinha dívidas e alugueis atrasados.
A tia da esposa, com quem moravam, sugeriu que eles entregassem a criança que ia nascer à “roda dos enjeitados”, na Rua dos Barbonos, atual Rua Evaristo da Veiga, no Centro. Aquela consistia em um mecanismo no qual a criança era colocada pelo lado de fora, e mandada para dentro de uma instituição de caridade, sem que a pessoa fosse vista. Após serem colocados para fora de casa pelo proprietário, Candinho e a família foram morar de favor em uma casa de uma senhora rica, amiga da tia, dois dias antes do filho, um menino, nascer.
Sem dinheiro, e com medo da criança morrer de fome, Candinho acabou por aceitar a sugestão da tia, mas, ao levar o filho para a “roda”, visualizou de longe uma escrava fugitiva, com uma boa recompensa, e resolveu tentar uma última e desesperada tentativa... Eu acho esse conto muito interessante. Aqueles que quiserem ler o texto, eu o reproduzo abaixo, na íntegra, copiado da internet. 
O conto a seguir, “Maria Cora”, passa em 1893, durante a Revolução Federalista, no Sul do país. Cora deixou o Rio Grande, após ser traída duas vezes pelo marido, e veio para o Rio de Janeiro, morar com uma tia rica, e definir o que faria, se pediria o desquite ou não. Conhece o narrador do conto, um solteirão de 40 anos, que se apaixona e se declara a ela. Maria Cora diz que, mesma separada do marido, ainda era uma mulher casada. Ele, então, diz que iria ao Sul para combater a revolta, ao lado dos legalistas, e matar o marido, para ficar com ela. Encantada, Cora diz a ele que não acreditava que alguém a amasse com tal força. Ele se engaja na guerra, passa anos em combate, mata o marido da amada, mas, ao reencontrá-la se surpreende com sua reação. 
No terceiro conto, “Marcha fúnebre”, Machado de Assis situa a estória em “uma noite de agosto de 186...”, não precisa o ano, contada por um narrador. O deputado Cordovil passou a pensar sobre a morte, após tomar conhecimento, durante um baile, do falecimento de um outro político, seu inimigo pessoal, que se encontrava doente há meses. Não comemorou a notícia, nem teve sentimento de vingança. Ao voltar para a casa, na Rua de São Cristóvão, viu um homem caído no chão, morte fulminante por questões naturais, ficou sabendo. A partir de então, passou a imaginar se a morte do colega tivesse sido durante uma sessão na Câmara. E se ele próprio morresse dentro do carro que o levava para casa ou na cama, dormindo. Passou a refletir sobre a inevitável hora da morte. 
Em “Um capitão de voluntários”, estória ocorrida em 1866, registrada por Simão de Castro e entregue para publicação a um amigo, com a condição de ser após a sua morte. O amigo acabou por não o fazê-lo, por achar que o relato poderia causar algum desconforto aos envolvidos. A estória acabou sendo divulgada após a morte dos dois, Simão apaixonou-se por Maria, mulher de Emílio. Ela vivia há anos com esse homem, mesmo sem terem se casado, e um dia acaba beijando Simão, mas, depois disso, arrepende-se. Ao ouvir uma conversa de Maria com uma amiga, Raimunda, esta tentou convencê-la a voltar a se aproximar de Simão. Desiludido, o marido alistou-se como voluntário na Guerra do Paraguai. Apesar disso, a mulher não voltou atrás na decisão de se afastar de Simão. Emílio acabou morrendo na guerra. Não gostei muito deste conto.   
“Suje-se gordo!”, é um interessante conto sobre um senhor acostumado a participar de júris, como um dos jurados. Em um deles, viu o acusado ser condenado pelo roubo de uma pequena quantia, através de falsificação. Anos depois, encontrou-se em uma situação parecida, só que o réu era um dos jurados daquele julgamento, no qual à época votou pela condenação, ainda afirmando que a quantia em questão era uma miséria: ‘Quer sujar-se? Suje-se gordo!’. Neste julgamento, ele, como jurado, votou pela condenação pelo crime de desvio também de uma quantia ínfima de um banco. O réu acabou inocentado por 9x3, e depois disso passou a não querer tomar mais parte de julgamentos: “Não queirais julgar para que não sejais julgados”. Interessante. 
O conto “Umas férias” mostra as reações de um menino de 10 anos, que acredita ir para uma festa quando o tio vai buscar a ele e à irmã no meio da aula. Mas, ao chegar em casa, descobre que o motivo era bem diferente; o pai morrera. Foram férias da escola, mas não férias para brincar ou se divertir. 
“Evolução” é um conto que mostra a necessidade de o país abrir estradas de ferro para impulsionar o seu desenvolvimento. Não gostei.   
“Pílades e Orestes” mostra a estória de dois amigos de infância, que se formaram em Direito juntos, e seguiram a vida sempre próximos. Apesar de terem praticamente a mesma idade, Quintanilha tratava Gonçalves com enorme atenção, carinho e respeito, chegando a ponto de ajudar o amigo em seu escritório de graça, mas sendo tratado como se um empregado fosse. Quando Quintanilha se apaixonou por uma prima em segundo grau, e resolveu casar-se com ela, pediu a opinião ao amigo. Este pareceu contrariado, e Quintanilha acreditou que ele amasse a sua prima, e resolveu abrir mão dela. A mim, pareceu que Gonçalves não esperava que o amigo fosse seguir vida própria, casando-se. Quintanilha chegou a propor à prima que se casasse com o amigo, e ele deixaria sua fortuna para ela em testamento. Ela não aceitou, mas gostou de saber que Gonçalves poderia gostar dela, o que os aproximou. Quintanilha resolveu, então, colocar o amigo como único herdeiro; foi seu padrinho de casamento com a sua prima; e padrinho do primeiro filho do casal. E morreu, em 1893, atingido por uma bala perdida (já existia isso no século 19!) na Praça 15. A “bala revoltosa” que o atingiu foi durante a Revolta da Armada, movimento militar contrário ao governo do marechal Floriano Peixoto. O título é uma referência a uma tragédia grega. Mas o texto de Machado de Assis mostra uma pessoa extremamente dedicada a um amigo, a ponto de abrir mão de sua felicidade para assegurar a dele. É amizade demais! 
“Anedota de Cabriolet”: um cabriolet (um tipo antigo de carruagem de duas rodas, puxada por um cavalo, com dois lugares) vai buscar o pároco para dar os sacramentos a dois jovens muito doentes. Era um casal desconhecido na localidade, e que estava na casa de um comendador, porque eram conhecidos de seu filho. O padre fica sabendo da estória triste do casal. Criados juntos, estavam noivos e iriam se casar, quando souberam por uma parenta que eram irmãos por parte da mãe. Por serem apenas meio-irmãos, resolveram, então, fugir de casa em um cabriolet para levar adiante a ideia do casamento. Mas acabaram sendo seguidos e descobertos na casa desse comendador; o conto não informa, mas possivelmente por parentes. E adoeceram por não poderem ficar juntos, e morreram. O sacristão acaba descobrindo que o cabriolet usado para a fuga do jovem casal era o mesmo que serviu para levar ele e o padre até os dois para a extrema-unção. Está mais para uma curiosidade triste do que uma “anedota”.  
O livro é encerrado com com quatro textos de Machados de Assis, que eu não achei interessantes. “Gonçalves Dias” discurso lido no Passeio Público ao inaugurar-se o busto do poeta. “Um Livro (Cena da Vida Amazônica)”, sobre um livro de José Veríssimo. “Eduardo Prado”, sobre a sua morte. “Antônio José”, para ser sincero, eu nem quis ler. Estes textos finais parecem ter sido encaixados para completar o livro, não me despertaram nenhum interesse. Mas, com certeza, valeu a pena ler mais este livro de contos de Machado de Assis. fr

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