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sábado, 25 de abril de 2020

Férias cariocas

FÉRIAS CARIOCAS
Carlos Eduardo Novaes
 
            Amanhã, se Deus quiser, desço a cortina do estúdio, boto a capa na máquina de escrever e desapareço para merecidas e reparadoras férias. Enfim, vou realizar um velho sonho: passar as férias no Rio de Janeiro.
            Nunca imaginei que fosse tão difícil um cidadão passar as férias na sua própria cidade. Nos meus anos de casado, quando anunciava meu propósito, Ana botava a boca no trombone. Lembro-me do último verão que passamos juntos: na noite em que lhe informei meu desejo de passar as férias no Rio, os vizinhos, tenho certeza, custaram a dormir.
            - Nunca! Berrou Ana. – Qual é a graça? Se morássemos em São Paulo ou Buenos Aires, tá certo... mas morando aqui?
            Tentei ponderar. Disse a Ana que, sendo carioca, jamais consegui usufruir de umas férias no Rio. Isso estava me deixando traumatizado. Gostaria de desfrutar do Rio como turista. Quero conhecer minha própria cidade.
            - Você ficou maluco? Nem pensar! Nós vamos para o Caribe. O Rio eu já conheço!
            - Agarrei-me à frase de Ana com unhas e dentes. Conhece mesmo? – perguntei. – Já foi ao Pão de Açúcar?
            - Uma vez... eu tinha dois anos.
            - Não conta. Já esteve no Corcovado?
            - Nunca.
            - Já visitou o Museu Histórico Nacional?
            - Onde é que fica?
            - Já foi à praia de Grumari?
            - Eu nasci no Leblon.
            Já esteve na Ilha de Paquetá? No Mirante das Canoas? Na Casa da Marquesa de Santos? Já viu um show de mulatas? Então como é que você diz que conhece o Rio? Foi minha vez de contra-atacar:
            - Você conhece é três ou quatro pedaços de praia, dois supermercados, meia dúzia de estacionamentos, alguns congestionamentos e um punhado de butiques em Ipanema.
            Esforcei-me para vender a ideia à Ana. Vai ser ótimo, vamos conhecer todos esses lugares, vamos poder nos isolar por uns tempos. Nessas férias não quero encontrar ninguém.
            - Você acha que vai ser possível?
            - Claro. A gente só encontra conhecidos em Recife, Porto Seguro, Nova Iorque. Você acha que algum amigo nosso frequenta o Museu do Índio?
            Ana investiu contra a cidade: o Rio é massacrante.
            - Um evidente exagero. Se fosse não viria tanta gente para cá, Ana. Morro de inveja desse pessoal. Às vezes penso como seria bom morar em Juazeiro só para poder passar as férias no Rio. Você não nota os turistas nas ruas? Tudo alegre, bem disposto. Deve haver por aí, escondido, um lado da cidade que só os turistas conhecem. Quem sabe, a gente descobre e também fica alegre e bem disposto?
            Ana afinal concordou, sem muito entusiasmo: ir de sua casa em Laranjeiras até um hotel em Copacabana não era bem a viagem dos seus sonhos. Fiz reserva num hotel da Avenida Atlântica para ficar perto da praia. Depois liguei a um amigo que se gabava de conhecer o Rio a fundo para pedir algumas dicas. Ele me passou o nome de alguns bares e restaurantes.
            - Mas esses lugares são exatamente os que frequentamos todas as semanas! – reagi.
            A solução foi telefonar para uma amiga paulista. Informou-me sobre tantos locais desconhecidos que pensei estivesse se referindo a outra cidade. Disse-lhe que só dispunha de 30 dias de férias. Mas depois você permanece no Rio, não?
            - Sim – respondi – mas só tenho coragem de ir a esses lugares disfarçado de turista. Já imaginou se alguém me vê tirando fotos do Monumento aos Pracinhas?
            Arrumamos as malas, pegamos um táxi, e nos mandamos para Copacabana. Eu estava realmente excitado. No caminho, perguntei a Ana se levava a máquina de fotografar. Ao passarmos pela porta do prédio de D. Geninha, no Flamengo, Ana lembrou que eu não havia me despedido de mamãe. Bati a mão na testa, desolado com o esquecimento. Logo porém recuperei-me:
            - Não tem problema, quando chegarmos lá, mando um postal. Duvido que ela já tenha recebido um postal do Corcovado.

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