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sexta-feira, 15 de maio de 2020

Que é do sorriso?

QUE É DO SORRISO?
Cecília Meireles
 
            Chegou o amigo estrangeiro, andou pela cidade, tomou bondes, lotações, fez compras, visitou repartições públicas, ouviu dizer por toda parte: “Vamos ao teatro? Vamos ao teatro?” – e foi também ao teatro. Enfim, portou-se mais do que como bom turista: como bom amigo desta cidade que ele admira e ama. Depois, perguntou-me, com extrema delicadeza: “Que é do sorriso que vocês tinham antigamente? Que é do sorriso que eu sempre encontrava no Rio? Procuro-o por aqui e por ali – e não o vejo mais!”
            Eu nunca tinha notado que fôssemos tão sorridentes. E comecei a prestar atenção. E a indagar. Na verdade, achei as senhoras de testa franzida; e as que a não franziam, temendo rugas, tinham um olhar tão severo que me inspirava algum terror. Fui conduzindo suavemente o meu inquérito: “Que é do seu sorriso? Daquele sorriso de outrora... isto é, do começo do ano... do mês passado...?” As senhoras ficaram impacientes: “Que sorriso? Como se pode sorrir com o preço do bife e uma casa em que todos só querem comer filé mignon? Quem é que pode sorrir olhando para um quilo de carne de baleia?”
Com pessoas idosas, divaguei acerca do nosso desaparecido sorriso, e cada uma tinha suas amarguras: veja as filas para a condução! veja os preços dos remédios! veja as lambretas! veja a praia de Copacabana! veja o strip-tease! veja isto, veja aquilo...
Assim, do setor econômico-financeiro íamos deslizando para o da educação. Mas não paramos aí, porque havia quem dissesse: “Veja fulano! sicrano! beltrano! veja as leis! veja o abuso das leis!” – “Veja os partidos! veja a demagogia! tem ouvido os discursos? tem lido os jornais?” – e assim, já nos caminhos (tortuosos) da política, íamos encontrar explicações para esta coisa tão pequena: um sorriso desaparecido.
Por fim, falaram os jovens. Estavam todos desgostosos. Uns com o motor do carro, outros com o corte dos cabelos, alguns por não terem sido premiados nisto ou naquilo, outros por não terem sido promovidos; este, porque lhe roubaram uma ideia; aquele, porque fez um mau negócio.
Depois, havia o dólar, havia as explosões atômicas, medos, mentiras, ambições... Havia o país e o mundo refletindo-se nesta boa cidade amável de outrora. Como podiam sorrir os seus habitantes?
Notei que, na verdade, ninguém mais sorri. Mesmo as jovens belezinhas, carregando seus penteados e colares, quando querem fazer um jeitinho gracioso com a boca – seja pelas tintas, pelos dentes ou mesmo pelas disposições gerais, fazem apenas uma careta moderna, que nos causa tristeza. Que é do antigo sorriso? – Que é do sorriso? – Quando voltará?

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