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terça-feira, 13 de outubro de 2020

Dica de livro: "Senhora"

"Senhora", José de Alencar, São Paulo, editora Klick, 1997, 194 páginas (Coleção Livros O Globo, vol. 4).

          Eu finalizei a leitura de mais um livro de José de Alencar: “Senhora”, publicado pela primeira vez em 1875, sob o pseudônimo G.M. Segundo os estudiosos, ele faz parte dos seus romances ‘urbanos’, em que a história é ambientada no Rio de Janeiro quando era a sede do governo de D. Pedro II, mostrando os costumes da época. E é justamente sobre casamentos arranjados em que se baseiam os acontecimentos de ‘Senhora’. 
         O autor inicia a obra, dirigindo-se ao leitor para informá-lo que estariam lendo uma história real. 
          “A história é verdadeira; e a narração vem de pessoa que recebeu diretamente, e em circunstâncias que ignoro, a confidência dos principais atores deste drama curioso. O suposto autor não passa rigorosamente de editor. É certo que tomando a si o encargo de corrigir a forma e dar-lhe um lavor literário, de algum modo apropria-se não a obra mas o livro.” 
        O livro é narrado em terceira pessoa. Curiosamente, em uma discussão na casa de Aurélia, foi discutido sobre o livro “Diva”, um dos romances de José de Alencar, de 1864. Ao comentário de uma pessoa, que dizia ser a personagem principal “inverossímil”, Aurélia defende o escritor, cujo nome não se revela no texto, fazendo referência velada a si própria: 
          “- E o que há de mais inverossímil que a própria verdade? Retorquiu Aurélia repetindo uma frase célebre. Sei de uma moça... Se alguém escrevesse a sua história, diriam como o senhor: ‘É impossível! Esta mulher nunca existiu’. Entretanto eu a conheci. 
       Mal pensava Aurélia que o autor de Diva teria mais tarde a honra de receber indiretamente suas confidências, e escrever também o romance de sua vida, a que ela fazia alusão.” 
          Eu sempre tive a impressão que “Senhora” seria muito ‘água com açúcar’, ou seja, exageradamente romântico, e, por isso, não me interessava pela sua leitura. Mas, acabei por gostar. A história tem uma visão romântica, claro, mas também mostra uma realidade da sociedade brasileira no século 19, o que interessa a quem, como eu, gosta de História. 
         Para escrever sobre a minha leitura, vou alertar que acabarei por revelar o que acontece no final, então, quem preferir a surpresa, não continue lendo o meu texto. FIGURA Uma jovem de 19 anos, Aurélia Camargo, órfã de pai, apaixona-se por Fernando Rodrigues de Seixas, mais conhecido pelo sobrenome de família. Ele também a ama, e a pede em casamento. Ambos são de famílias modestas. 
         Materialista e mais preocupado com as aparências superficiais da sociedade, ele prefere aceitar o dote de 30 contos de réis oferecido pelo pai de outra moça, Adelaide, e trocou de noiva. Mesmo sabendo que deixaria Aurélia em uma situação difícil e que Adelaide amava outro homem, Torquato Ribeiro; sem boas condições financeiras. Aurélia passou a não se interessar por outro homem, apesar da insistência de sua mãe, em aproximá-la de pretendentes ricos. 
          Tempos depois, Aurélia tornou-se muito rica ao receber uma herança inesperada de seu avô paterno, que, em vida, nunca tinha reconhecido o filho. Com sua ascensão social, ela passou a ser cortejada pelos homens, mais interessados em sua fortuna, comportamento que lhe provocava total desprezo, e fazia com que ela até os diferenciasse pelo seu valor em dote. 
      “Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela riqueza; Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão. Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor monetário. Em linguagem financeira, Aurélia cotava os seus adoradores pelo preço que razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial.” 
       E foi essa hipocrisia que lhe fez ter a ideia de ela mesmo “comprar” o seu marido, justamente o antigo noivo que lhe trocou por um dote. Através de um tio e procurador, ofereceu ao pai de Adelaide um dote de 50 contos em nome de Torquato Ribeiro para que o pai o aceitasse como marido de Adelaide. E um dote de cem contos para que Seixas mudasse novamente de noiva, mas sem anunciar o nome da pretendente. 
          Apesar de uma recusa inicial, o rapaz acabou por aceitar casar com uma mulher que não conhecia, tendo em vista ele ter gasto as economias da mãe e da irmã de forma perdulária. Com os vinte contos de adiantamento, repôs o dinheiro da família. Ao descobrir que sua noiva tratava-se justamente de Aurélia, teve a ilusão de que poderiam ser felizes, já que sempre a amou. Mas, ela deixou claro que o casamento era apenas de aparência, um acerto, com recibo e tudo. 
      Seixas teve que se sujeitar a ser um marido apenas no papel, um marido de conveniência, os dois dormindo em quartos separados. Aurélia quis vingar-se da humilhação de ter sido trocada por um dote, e quis ter um marido apenas para as aparências perante a sociedade. Após meses submetendo-se a humilhações constantes, Seixas recebeu uma quantia referente à participação em uma transação feita com um conhecido, anos antes de se casar. 
      Com esse dinheiro e uma diferença que conseguiu vendendo alguns pertences, conseguiu recuperar os vinte contos que já tinha gasto para repor as economias da mãe e irmã. Somado aos 80 contos restantes, que ele não tinha gasto, ele conseguiu devolver, com juros, todo o dote pago pela esposa, e finalizar o contrato que tinham, e a sua união de aparências. 
          Porém, ao ver que Seixas abria mão do dinheiro, e com a certeza que o seu amor era correspondido, Aurélia pediu-lhe perdão e pediu-lhe que a aceitasse como verdadeira esposa. O amor venceu a conveniência do dinheiro. O livro tem uma linguagem rebuscada, erudita para os dias de hoje, mas nada que desanime quem gosta de ler. 
          Sobre a biografia do autor (fonte de referência: Wikipédia): 
          José de Alencar (1829-1877) é cearense, filho de uma relação que provocou escândalo à época. O pai, José Martiniano de Alencar, era padre, e teve 13 filhos com uma prima em primeiro grau, Ana Josefina de Alencar. Seu pai foi também senador e presidente da província do Ceará, e participou com a avó paterna de José de Alencar, Bárbara de Alencar, da Revolução Pernambucana e da Confederação do Equador, movimentos contrários à monarquia portuguesa. 
          A família de José de Alencar mudou-se para a capital, Rio de Janeiro, quando ele tinha onze anos. Em 1850, Alencar formou-se em Direito. Na política, foi deputado provincial no Ceará e ministro da Justiça. Tentou a vaga de senador, em 1869, porém D. Pedro II não o indicou por considerá-lo muito jovem, causando-lhe grande desgosto e fazendo com que ele deixasse a política. 
         Além de escritor, advogado e político, José de Alencar atuou também como jornalista. Patrono da cadeira nº 23 da Academia Brasileira de Letras (ABL), cujo primeiro ocupante foi justamente Machado de Assis, seu admirador. Alencar faleceu em 12 de dezembro de 1877, com apenas 48 anos, vítima de tuberculose, deixando viúva, Georgiana Augusta Cochrane, e seis filhos. fr

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