Neil deGrasse Tyson é
estadunidense, astrofísico, escritor e diretor do Planetário Hayden.
Carta Para o Brasil
Por Neil deGrasse Tyson
10 de setembro de 2020
Para a edição brasileira de Respostas de um astrofísico.
Caro
Brasil,
Das
minhas muitas viagens à América do Sul, nunca tive a oportunidade de visitar
você. A maioria delas teve como destino a cordilheira dos Andes, com o objetivo
de observar o magnífico céu do hemisfério sul através de telescópios de alta
tecnologia de um consórcio internacional. Mas, mesmo assim, tenho pensado em
você com bastante frequência.
Como
nativo dos Estados Unidos da América, sei em que costumamos pensar quando se
trata de você. Não seguindo uma ordem específica, você possui a maior e mais
importante floresta tropical do mundo. Você abriga o maior rio do mundo, que, a
cada minuto que passa, escoa para o oceano Atlântico um volume de água que
daria para encher um estádio de futebol. E, sim, nós sabíamos da existência de
seu rio e de sua floresta tropical muito antes de a Amazon.com1 pegar o nome emprestado.
Quer
mais? Não há quem não goste de castanha-do-brasil2. Na verdade, nos EUA, nós precisamos pagar pelo pacote “premium” para
que elas venham incluídas em nossos mix de castanhas. E mesmo aqueles de nós
que quase não acompanham futebol sabem da existência de seus times famosos,
ficando na maior expectativa de ver você na final da Copa do Mundo a cada
quatro anos. Também sabemos das suas praias deslumbrantes pelas músicas que as
cantam—a “Garota de Ipanema” sendo uma delas. Sabemos de suas festas populares,
principalmente o Carnaval, e tentamos imitar a intensidade e a alegria dessas
celebrações—com dança e música—aqui no nosso hemisfério. Sabemos do seu café. E
eu, particularmente, amo a sua bandeira. Há um pedaço do céu noturno estampado
nela; mais de duas dezenas de estrelas retraçam constelações autênticas,
incluindo o Cruzeiro do Sul.
Então, se
você perguntasse a qualquer um de nós nos EUA o que vem à nossa cabeça quando
seu nome é mencionado, normalmente selecionaríamos algo a partir dessa lista.
Você sabe
do que nós não nos damos conta? Metade das vezes que embarcamos em voos
domésticos, da American Airlines ou de outras companhias aéreas, viajamos num
avião da Embraer. Tudo bem, o folheto com instruções de segurança traz impresso
nele o nome Embraer. Nós podemos até achar Embraer escrito em letras miúdas em
algum lugar da fuselagem. Mas quase nenhum de nós sabe que a aeronave é
projetada e fabricada no Brasil. Você poderia alardear “Tecnologia Brasileira,”
mas não o faz. Por que não? A Alemanha não hesita em se gabar da dela. Nada
mais justo, claro. Todo mundo conhece a qualidade dos produtos fabricados na
Alemanha, que, por sua vez, permeiam sua economia aeroespacial, a terceira
maior do mundo.
Mas,
espere. Um dos grandes pioneiros nos primórdios da aviação era brasileiro.
Engenheiro brilhante e inventivo, altamente condecorado, Alberto Santos-Dumont
liderou a transição mundial do transporte aéreo mais leve que o ar para o mais
pesado que o ar. O valor de uma semente cultural como essa, plantada no
nascimento de uma indústria, é incalculável. Um século depois, você se tornou
líder em tecnologias de biocombustíveis—um passo fundamental em direção a uma
economia verde onde nossa harmonia com a natureza vai determinar se iremos prosperar,
sobreviver ou nos extinguir. Você também possui uma ambiciosa agência espacial,
além de ser a sexta maior indústria aeroespacial do mundo. Na América Latina,
você também é líder em Tecnologia da Informação. E num país famoso por sua
agricultura, quase um terço de sua economia se apoia num setor produtivo
impregnado de tecnologia.
Então
talvez seja a hora de o mundo saber mais a respeito disso. Talvez seja a hora
de os brasileiros saberem mais sobre isso. Talvez esteja mais do que na hora de
você exibir produtos que declarem: “Fabricado no Brasil.”
Seja o
que mais for, ou não, verdade no mundo, as economias de crescimento do
futuro—mesmo as que possam ser puramente agrícolas—vão girar em torno dos
investimentos feitos hoje em ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Numa
democracia, esses investimentos fluem de um eleitorado letrado cientificamente,
que elege líderes esclarecidos e que entendem o valor da educação, das
pesquisas e das descobertas. Sem essas perspectivas, ainda estaríamos vivendo
em cavernas, com alguns de nós resmungando: “Você não pode explorar o mundo
exterior. Primeiro precisa resolver os problemas da nossa caverna.”
Para que
ninguém se esqueça, o primeiro (e único) astronauta sul-americano foi um
engenheiro aeronáutico brasileiro. E quando se deu o lançamento de sua missão?
Em 2006, ano do centenário do primeiro avião bem-sucedido de Santos-Dumont. E o
que ele levou para o espaço? Uma bandeira do Brasil e uma camisa da seleção
brasileira de futebol.
Os países
que mais passam por dificuldades no mundo tendem a ser aqueles com baixos
níveis de instrução e com ausência de STEM3 em sua cultura. Você tem os recursos e o legado para liderar toda
a América Latina, se não o mundo, no que um país do futuro deveria ser—no que
um país do futuro deveria aspirar ser.
Se você
abraçar e apoiar suas indústrias STEM—e o setor de tecnologia inteiro—então os
sonhos dos alunos em toda a cadeia educacional não terão limites, conforme eles
forem introduzidos num mundo em que foguetes são o que alimentam as ambições
das pessoas que saem pela porta da caverna.
Atenciosamente,
Neil deGrasse Tyson
Estados Unidos da América
- 1 Amazon é a palavra em inglês tanto para
Amazonas quanto para Amazônica. (N. do T.)
- 2 Também chamada de castanha-do-pará. (N.
do T.)
- 3 STEM é a sigla em inglês para Science,
Technology, Engineering e Mathematics [Ciência, Tecnologia, Engenharia e
Matemática] (N. do T.)
Translators: Nicolas Pettengill & Renata Pettengill
Publisher: Grupo Editorial Record
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