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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Dica de livro: "O cortiço"

“O cortiço”, Aluisio Azevedo, São Paulo, editora Klick, 1997, 194 páginas (Coleção Livros O Globo, vol. 10).

       Este é um dos meus livros preferidos, e já o li algumas vezes, e sempre gosto. Publicado originalmente na forma de folhetim de jornal, e como livro em 1890. Um livro muito bem escrito, que prende a atenção até o seu final, e eu indico a sua leitura a todos. É considerado um dos mais importantes do Naturalismo brasileiro, estilo literário segundo o qual o comportamento das pessoas é determinado pelo meio em que vivem. 
       O livro mostra a realidade dos cortiços existentes no Rio de Janeiro no final do século 19, à época capital do Brasil, através dos dramas pessoais dos seus personagens. O português João Romão trabalhou dos 13 aos 25 anos em uma taverna, em Botafogo, e a recebeu em pagamento de ordenados atrasados, quando o proprietário voltou para sua terra natal. A partir de então, Romão passou a trabalhar e a economizar mesquinhamente, com o firme propósito de enriquecer. 
       Bertoleza era uma escrava que trabalhava como quitandeira, pagando um valor mensal ao seu senhor, residente em Juiz de Fora. Era o que se conhecia como “escrava de ganho”. Após a morte de um homem com quem estava amigada, ela passou a viver com João Romão, que se tornou também o administrador das economias da mulher, que juntava para pagar sua alforria. Com esse dinheiro, ele comprou um terreno ao lado de sua venda, onde construiu uma casa, Na frente, funcionava a quitanda, nos fundos eles moravam. 
       Aproveitando-se da confiança que Bertoleza tinha nele, João Romão forjou um documento em que constaria ter comprado a liberdade da companheira. Bertoleza era funcionária, doméstica e amante de Romão, trabalhando sem parar, e permanecia escrava, sem saber. 
       Com o tempo, acumulou dinheiro suficiente para adquirir uma porção maior do terreno, e começar a construir pequenas casas para aluguel. Sempre à custa de muito trabalho dos dois e de muita economia, deixando de lado despesas pessoais, e roubando materiais de construção encontrados em uma pedreira próxima, João Romão ampliou a quantidade de casas. Passou a ter um grande cortiço. 
       “Sempre em mangas de camisa, sem domingo nem dia santo, não perdendo nunca a ocasião de assenhorar-se do alheio, deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca deixando de receber, enganando os fregueses, roubando nos pesos e nas medidas, comprando por dez réis de mel coado o que os escravos furtavam da casa de seus senhores, apertando cada vez mais as próprias despesas, empilhando privações sobre privações, trabalhando e mais a amiga como uma junta de bois, João Romão veio afinal a comprar uma boa parte da bela pedreira, que ele, todos os dias, ao cair da tarde, assentando um instante à porta da venda, contemplava de longe com um resignado olhar de cobiça.” 
       Com a chegada de um conterrâneo para morar em um sobrado vizinho a ele, Miranda e sua família, João Romão passou a nutrir um sentimento de inveja. Invejava no outro tudo o que ele não tinha, classe, conforto e poder usufruir a vida. Miranda, por sua vez, invejava Romão por ter conseguido enriquecer sem precisar casar com “a filha do patrão”, como ele. Vivia um casamento infeliz, com uma filha que ele acreditava não ser dele. 
       Para cuidar da sua pedreira, Romão contratou Jerônimo, casado com Piedade, ambos portugueses, corretos e trabalhadores, e que passaram a morar no seu cortiço. Jerônimo encantou-se pela mulata Rita Baiana, que namorava o malandro e trapaceiro Firmo. Dia após dia, os hábitos e a personalidade do português mudaram, passou a beber e a fumar, a gostar de samba, a ser perdulário e já não era tão determinado no trabalho. Abandonava a “grande seriedade do seu caráter e a pureza austera dos seus costumes”. Esse triângulo amoroso resultou em uma tragédia. 
       João Romão enriquecia, e sempre queria mais, privando a ele e a Bertoleza o que existia de bom, tanto em termos de alimentação, quanto de conforto. Ampliou o seu cortiço, após um incêndio, que passou a ter cerca de 500 casas, de melhor qualidade e aluguel mais caro, com inquilinos mais selecionados. 
       Ele também começou a se aristocratizar, ambicionando comprar um título de visconde, já que Miranda tinha o de barão, e a casar-se com a filha dele, a fim de, no futuro, apropriar-se da riqueza dele. A escrava Bertoleza transformara-se em um obstáculo para sua ascensão social, e precisava ser removido. Em tornos dessas histórias, o autor intercala outras tantas de personagens secundários, livro muito interessante! Eu indico a sua leitura. 
       Aluisio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís, Maranhão, em 14 de abril de 1857. Foi escritor, caricaturista, jornalista e diplomata. Filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de Emília Amália Pinto de Magalhães. A sua mãe casara-se aos 17 anos com um comerciante português, que se demonstrou violento, e ela o abandonou, passando a morar com amigos. 
       Depois de conhecer o jovem viúvo David Gonçalves, Emília passou a viver com ele, sem se casarem, o que chocou a sociedade maranhense da época. A presença de portugueses na vida do escritor pode explicar ele retratá-los em “O cortiço”. Aluisio Azevedo é o irmão mais novo do dramaturgo e jornalista Artur Azevedo. 
       Em 1876, Aluisio foi morar no Rio de Janeiro, onde já estava o seu irmão; estudou pintura na Academia Imperial de Belas-Artes e fazia charges para jornais. Dois anos depois, retornou a São Luís, com a morte do pai. Após a publicação do seu livro “O mulato”, em 1881, e diante da reação adversa da sociedade maranhense à sua visão realista e anti-escravidão, voltou a viver na capital. 
       Passou a exercer a carreira de diplomata em 1896, afastando-se da literatura. Ele exerceu a função, entre outros países, na Espanha, Japão e na Argentina, onde viveu com Pastora Luquez, cidadã daquele país, adotando os seus dois filhos. Aluísio Azevedo faleceu em 21 de janeiro de 1913, aos 56 anos, em Buenos Aires, tendo sido enterrado naquela cidade, mas os seus restos mortais foram transladados para São Luís em 1916. Aluísio Azevedo e o seu irmão foram membros fundadores da ABL (Academia Brasileira de Letras), em 1897, ocupando, respectivamente, as cadeiras nº 4 e 29. fr

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