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domingo, 24 de janeiro de 2021

"A relíquia", Eça de Queirós

"A relíquia"
, Eça de Queirós, São Paulo, editora Klick, 1997, 226 páginas (Coleção Livros O Globo, vol. 2). 
     O livro, de 1887, mostra as relações de interesse que são formadas na Lisboa de 1875 por ambiciosos cidadãos em busca da riqueza de uma anciã beata e avessa ao amor. A História é contada na primeira pessoa, como um livro de memórias, por Teodorico Raposo, cuja mãe morreu logo depois do seu nascimento, e o pai quando ele tinha sete anos. 
     Órfão, foi levado para a casa de uma tia, a beata D. Maria do Patrocínio das Neves, a Titi, que não lhe deu amor, apenas os rigores de uma educação religiosa marcada pelo fanatismo e pelo respeito incondicional à Igreja e aos seus dogmas. Teodorico torna-se adulto, com o único propósito de bajular a tia, na esperança de herdar sua fortuna quando ela morresse, o que ele desejava que ocorresse logo. 
     Mesmo não acreditando nos princípios cristãos, ele fingia ser um grande devoto, frequentando assiduamente várias igrejas. Pregava, falsamente, a castidade, mas saia em busca de amantes, sempre com o cuidado de sua tia não descobrir. Sua preocupação era não dar motivos para que a ameaça de sua tia fosse cumprida: 
     “E quase todos os dias, com os dentes rilhados, repetia (referindo-se a mim) que se uma pessoa do seu sangue, e que comesse o seu pão, andasse atrás de saias, ou se desse a relaxações, havia de ir para a rua, escorraçado a vassoura, como um cão." 
     A tia Patrocínio decide enviar Teodorico a uma peregrinação à Terra Santa, para visitar lugares como a Palestina, Jerusalém e o Rio Jordão. Iria como sua representante, já que, pela idade, ele não podia fazer a viagem. Titi pediu que ele lhe trouxesse “uma santa relíquia, uma relíquia milagrosa que eu guarde, com que me fique sempre apegando nas minhas aflições e que cure as minhas doenças”. 
     Teodoro viajou na companhia de um alemão, doutor em teologia. Em Jerusalém, os dois presenciam o julgamento de Jesus Cristo por Pôncio Pilatos, governador da Judeia. Pressionado pelos líderes judeus, Pilatos acaba por entregar a decisão ao povo, a fim de que escolhessem quem seria crucificado: Jesus ou Barrabás, acusado de revolta. A decisão todos sabem. Teodoro viu, depois, Jesus crucificado. 
     Essa parte do livro é uma viagem no tempo. O autor não explica o que houve, nem mesmo fica subentendido se foi um sonho, como muitos concluíram. Eça de Queirós conduz os acontecimentos, indo ao passado, e retornando ao presente. Teodoro aproveita também a viagem para se divertir com mulheres, apesar da ameaça da tia. 
     E recebeu de uma delas, uma inglesa, como uma lembrança para ser levada para Lisboa, sua roupa de dormir, usada quando estava com ele, ainda com o seu perfume. E também um papel com uma dedicatória. Tudo foi guardado em um pacote embrulhado em papel pardo. 
     Teodoro decide levar à tia como a relíquia pedida por Titi um galho de uma árvore, transformado em forma de coroa com os espinhos, à semelhança da que fora colocada sobre a cabeça de Jesus. Após consultar o especialista alemão, chegou à conclusão que a tia beata aceitaria como verdadeira a origem da relíquia. E, com isso, seria, definitivamente, escolhido como o seu herdeiro. O presente foi guardado em um pacote embrulhado em papel pardo. 
     Àqueles que desejam ler o livro, alerto que vou adiantar, a seguir, o que acontece no final do livro. 
     De volta a Lisboa, Teodoro entrega o pacote com a preciosa relíquia à odiosa tia, mas, por engano, acaba entregando a roupa da amante. Titi vê a roupa e lê a dedicatória íntima, ficando horrorizada, e expulsa de casa o sobrinho. Teodoro passa a viver da venda de lembranças da Terra Santa, “vendilhão de relíquias”, vendendo água comum como se fosse do Rio Jordão e dezenas de pregos que teriam pregado Jesus à cruz. 
     A tia D. Maria do Patrocínio morreu, deixando suas riquezas para os bajuladores que a cercavam. Para Teodoro, a tia deixou, sarcasticamente, o óculo, “para ver o resto [de sua fortuna] de longe”. Revoltado, ele culpou Jesus por tudo, que teria sido ingrato com ele, depois de tantas orações e devoção. Teodoro tem uma visão de Jesus, que critica o seu comportamento hipócrita, indo à igreja apenas para enganar a tia, para se tornar seu herdeiro. 
     A visão foi como a própria consciência de Teodoro lhe chamando à razão. Ele conseguiu sair da pobreza, conseguindo um bom emprego, ajudado por um colega de colégio, que herdara o escritório de advocacia do pai. E acabou por casar com a irmã do patrão, garantindo a boa vida de conforto e riqueza que tanto desejava. Toda a reviravolta na vida do personagem principal, desde a troca de pacotes e sua expulsão da casa da tia, deu-se nas últimas páginas do livro. 
     José Maria de Eça de Queirós (1845-1900) é um dos principais autores portugueses. Além de escritor, exerceu as carreiras de advogado, jornalista e diplomata. O pai, o magistrado José Maria Teixeira de Queiroz, nasceu no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, em 1820. A mãe, Carolina Augusta Pereira d’Eça, era portuguesa. 
     Os pais somente se casaram quando Eça de Queirós tinha cerca de quatro anos, após a morte de sua avó materna, contrária ao casamento. Entre as suas principais obras, pode-se citar: “O crime do padre Amaro”, “O primo Basílio” e “Os maias”. fr

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