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quinta-feira, 30 de setembro de 2021

"O Evangelho segundo Jesus Cristo", José Saramago

“O Evangelho segundo Jesus Cristo”, José Saramago; Rio de Janeiro, editora Record, s/ano, 445 páginas (Coleção Mestres da Literatura Contemporânea, vol. 13).
      Eu já tinha lido “O Evangelho segundo Jesus Cristo” há uns anos, e reli estes dias por estar lendo os livros da ‘Coleção Mestres da Literatura Contemporânea’. Lançado em 1991, este é um livro polêmico, que provocou muitas críticas da Igreja Católica devido à sua ousadia em descrever Jesus Cristo com características bem humanas. Saramago (1922-2010) criou acontecimentos para descrever a vida de Jesus, mesmo nos anos de sua juventude, que não possuem registros nas passagens bíblicas.
      Os acontecimentos são contados por um narrador, em primeira pessoa, e os parágrafos são enormes, com poucos pontos e muitas vírgulas. Por desejo do autor, o livro manteve a ortografia vigente em Portugal. Após ter o livro vetado pelo governo português para concorrer ao Prêmio Europeu de Literatura de 1992, Saramago decidiu morar com a esposa, a espanhola Pilar del Rio, na Ilha de Lanzarote, no arquipélago das Canárias, na Espanha. Ele era defensor da união de Portugal e Espanha. Saramago recebeu, entre outros, o Prêmio Camões em 1995 e o Prêmio Nobel de Literatura em 1998.
      No livro, ao contrário dos dogmas religiosos, os pais de Jesus Cristo, o carpinteiro José e sua esposa, Maria, mantiveram relações para concebê-lo. Um anjo, em trajes de mendigo, apareceu na casa do casal pedindo um pouco de comida, e comunicou a Maria que ela estava grávida. Meses depois, o imperador de Roma, César Augusto, determinou que “todas as famílias que tivessem o seu domicílio nas províncias governadas pelo cônsul Públio Sulpício Quirino estavam obrigadas a recensear-se” nos lugares de seu nascimento.
      José vivia em Nazaré, mas ele nasceu em Belém de Judeia, próximo de Jerusalém, local muito distante e para onde teve que ir com a esposa, já perto de dar à luz. Apesar de ser a sua cidade natal, José não tinha mais parentes vivos a quem pedir hospedagem, e chegando em Belém, o seu filho já estava para nascer. José pediu ajuda e conseguiu de uma família o oferecimento de uma gruta que servia de estábulo, e a ajuda de Zelemi, sua escrava, para realizar o parto de Maria.
      “Zelomi já perdera o conto às crianças que vira nascer, e o padecimento desta pobre mulher é igual ao de todas as outras mulheres, como foi determinado pelo Senhor Deus quando Eva errou por desobediência, Aumentarei os sofrimentos da tua gravidez, os teus filhos nascerão entre dores, e hoje, passados já tantos séculos, com tanta dor acumulada, Deus ainda não se dá por satisfeito e a agonia continua.”
      Nasce um menino, a quem o pai dá o nome de Yeschua, “que é como quem diz, Jesus”. Logo depois do parto, três pastores chegam à gruta, o primeiro traz leite e o segundo queijo. “Então, o terceiro pastor chegou-se para diante, num momento pareceu que enchia a cova com a sua grande estatura, e disse, mas não olhava nem o pai nem a mãe da criança nascida, Com estas minhas mãos amassei este pão que te trago, com o fogo que só dentro da terra há o cozi. E Maria soube quem ele era.” O anjo que a avisou de sua gravidez.
      José conseguiu um emprego nas obras do futuro Templo que estava sendo construído em Jerusalém, para manter sua família durante os dias em que precisariam permanecer em Belém, na gruta emprestada. Além do período que seria de resguardo de Maria, após dar à luz, era preciso ainda cumprir o “tempo da sua impureza, trinta e três são os dias que deverá ficar no sangue da sua purificação”, contados a partir do dia da circuncisão de Jesus.
      Durante esse tempo, o rei Herodes sofria com os pesadelos que o atormentavam sobre a profecia que um menino iria nascer em Belém e governar Israel. E determinou aos soldados que fossem a Belém na manhã seguinte matar todos os meninos com até três anos de vida. Enquanto descansava do seu trabalho, José ouviu alguns soldados romanos conversando sobre a terrível missão que teriam a fazer, e correu desesperado para salvar o seu filho.
      José despediu-se da família que o deixou ficar em sua gruta, e com Maria e o menino recém-nascido retornaram a Nazaré. Mas ele passou a sofrer com um pesadelo recorrente em que estava vestido de soldado e ia a Belém matar o próprio filho. José sofreu com o remorso de não ter avisado ninguém sobre o que iria acontecer, deixando de salvar 25 meninos, que foram mortos pelos soldados romanos, incluindo os dois filhos do casal que o receberam em sua gruta.
      José e Maria tiveram mais oito filhos: Tiago, Lísia, José, Judas, Simão, Lídia, Justo e Samuel, “e se mais algum veio, logo se finou, sem tempo de deixar registo [sic]”. Aos cinco anos, Jesus passou a frequentar a escola, “e era ali, na própria sinagoga, feita sala de aula, que ele e outros rapazinhos de Nazaré, até aos dez anos, realizavam a sentença do sábio.” Quando Jesus tinha onze anos, ocorria uma revolta contra os romanos, liderada por Judas da Galileia.
      Dois anos após, um vizinho de José, Ananias, que cuidara da casa dos pais de Jesus quando eles precisaram ir a Belém para o recenseamento, pede a retribuição do favor e parte para se unir ao grupo dos revoltosos. Meses depois, ao saber que Ananias encontrava-se ferido em uma outra localidade José partiu para ajudá-lo a regressar. Mas o vizinho estava muito grave e morreu. José estava junto a outros revoltosos e foi detido por soldados romanos, e com 39 deles foi crucificado na cruz, como se fosse um dos rebeldes.
      Com o pai morto, Jesus assumiria a função de chefe da família. Ele passou a sofrer com os mesmos pesadelos que José tinha. Neles, ele era uma das crianças que seriam mortas pelos soldados romanos e José seria um deles. Maria lhe contou o que ocorreu quando estiveram em Belém para o seu nascimento. Então com apenas 13 anos, Jesus culpou o pai por não salvar as crianças, culpando também a mãe, e deixou a casa.
      Jesus esteve em Jerusalém, onde consultou o escriba da sinagoga sobre o sentimento de culpa que sentia. E conheceu o local onde nasceu, tomando conhecimento através da escrava que ajudara em seu parto do número de crianças mortas, sentindo remorso por algo que não fez. Na cova onde tinha nascido, o anjo apareceu como um pastor, e Jesus passou a ser seu ajudante, apenas em troca de comida. O pastor sabia tudo sobre Jesus.
      Aos 18 anos, ao procurar uma ovelha que deixou de sacrificar em Jerusalém, Jesus encontrou Deus no deserto, em uma coluna de fumo, e com Ele fez uma aliança, e Deus exigiu que a ovelha fosse, então, sacrificada. Deus anunciou que ao chegar a hora Jesus dará a sua vida e em troca terá “o poder e a glória”. Após quatro anos em que Jesus serviu ao pastor, este o mandou embora.
      Jesus Cristo passou a trabalhar com pescadores, ajudando-os, fazendo com que os peixes aparecessem para serem pescados, e conheceu aqueles que viriam a ser alguns dos seus apóstolos. Em Magdala, conheceu também Maria, uma prostituta, que abandonou esse tipo de vida para viver como sua mulher, mesmo sem estarem casados.
      Jesus demonstrava ser muito bem articulado nas questões religiosas, apesar de sua pouca idade. E passou a fazer os seus primeiros milagres, como acalmar o mar e o vento e transformar água em vinho. Aos 25 anos, evitou que uma mulher adúltera fosse apedrejada: “Alto lá, quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra”. Expulsou demônios do corpo de um homem. Multiplicou pão e peixe.
      Em um dia de nevoeiro, incomum para a época do ano, nenhum pescador saiu para o mar. Apenas Jesus, sabendo quem iria encontrar, pegou uma das barcas e remou, com o nevoeiro abrindo-se para ele passar. E Deus apareceu sentado na barca: “É um homem grande e velho, de barbas fluviais espalhadas sobre o peito, a cabeça descoberta, cabelo solto, a cara larga e forte, a boca espessa, que falará sem que os lábios pareçam mover-se”.
      Ele confirmou que Jesus era o seu filho: “eu tinha misturado a minha semente na semente de teu pai antes de seres concebido, era a maneira mais fácil, a que menos dava nas vistas”. E o pastor, de quem julgava ser um anjo, também apareceu na barca. Era o Diabo. “Jesus olhou para um, olhou para outro, e viu que, tirando as barbas de Deus, eram como gêmeos”. Deus diz a Jesus o que quer dele: “alargar a minha influência, a ser deus de muito mais gente”. Ou seja, levar o seu nome a muita mais pessoas.
      “E qual foi o papel que me destinaste no teu plano, O de mártir, meu filho, o de vítima, que é o que de melhor há para fazer espalhar uma crença e afervorar uma fé. (...) Percebo agora por que está aqui o Diabo, se a tua autoridade vier a alargar-se a mais gente e a mais países, também o poder dele sobre os homens se alargará, pois os teus limites são os limites dele, nem um passo mais, nem um passo menos. (...) O que tu és, meu filho, é o cordeiro de Deus, aquele que o próprio Deus leva ao seu altar, que é o que estamos preparando aqui.”
      Deus falou a Jesus como ele iria morrer, e que no futuro muitos mais morrerão e se sacrificarão em nome dele e dEle. A conversa terminou, e com ela o nevoeiro. Jesus remou de volta e ficou sabendo que ficara no mar durante 40 dias, durante os quais o nevoeiro não permitiu que os pescadores conseguissem entrar no mar. Jesus espalhou a palavra de Deus, com a ajuda dos 12 apóstolos, e anunciou que as pessoas deveriam arrepender-se dos seus pecados.
      Jesus fez diversas curas, incluindo Lázaro, irmão de Maria de Magdala. Em Jerusalém atacou os comerciantes, e, na volta, encontrou Lázaro morto. A pedido de Maria de Magdala, não o ressuscitou: “Ninguém na vida teve tantos pecados que mereça morrer duas vezes”. No livro, o próprio Jesus pede que um dos seus discípulos vá ao Templo dizer que ele é o filho de Deus, rei dos judeus e quem vai expulsar os romanos. Judas de Iscariote se ofereceu, Jesus foi preso e condenado por Pôncio Pilatos, escolhendo morrer na cruz.
      “Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez.” Fica o registro da minha leitura. fr

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