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segunda-feira, 4 de abril de 2022

A 'roda dos enjeitados' recebia as crianças que os pais e mães não queriam

     O problema da população de rua já vem de muito tempo. Durante os séculos 18 e 19, a forma encontrada para evitar que os recém-nascidos indesejados, ou que não podiam ser criados, fossem abandonados nas ruas era a utilização da ‘roda dos enjeitados’, ou ‘dos expostos’. Era uma estrutura de madeira existente em instituições católicas, como igrejas e conventos, por exemplo, na qual o bebê era colocado do lado de fora, e era girada para que a criança fosse movimentada para dentro. Após, a mãe ou pai tocava uma sineta para alertar os padres ou freiras. Era uma forma de se manter no anonimato.
     As crianças eram entregues à adoção ou seguiam a vida religiosa. A ‘roda dos enjeitados’ surgiu em países como Itália, França e Portugal. No Brasil, as mais antigas ficavam nas Casas de Misericórdia de Salvador, do Recife e do Rio de Janeiro. Na do Rio, de acordo com registros oficiais, foram entregues 47.255 bebês nos anos de 1738 e 1888. Eu publiquei aqui no meu blog um conto de Machado de Assis, “Pai contra mãe”, em que um jovem casal passa grandes dificuldades financeiras às vésperas do nascimento do primeiro filho. O marido tem resistência em se estabelecer em um mesmo emprego, as dívidas só aumentavam e eles viviam de favor.

“Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dous jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular... Enjeitar quê? enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de jantar. A mesa, que era velha e desconjuntada, esteve quase a se desfazer inteiramente. Clara interveio. -- Titia não fala por mal, Candinho. --Por mal? replicou tia Mônica. Por mal ou por bem, seja o que for, digo que é o melhor que vocês podem fazer. Vocês devem tudo; a carne e o feijão vão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim..”

     Eu estive recentemente na Santa Casa de Misericórdia, no Centro do Rio, para saber se a instituição preservara a sua ‘roda dos enjeitados’, como, parece, ocorreu em Salvador, mas os funcionários disseram que não. Eu ainda enviei um email à Santa Casa solicitando informações, mas até hoje não recebi resposta. Infelizmente, no Brasil, é pouco comum se preocupar com a conservação da nossa História. fr

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