SEJA ÉTICO

SEJA ÉTICO: Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução do conteúdo deste blog com a devida citação de sua fonte.

domingo, 19 de novembro de 2023

Cuba sempre ameaçada

“Cuba Sempre Ameaçada”
Severo Gomes
Empresário, ex-senador, último artigo que escreveu antes de falecer, em 1992.

    Começo por lembrar a guerra do Peloponeso, transcrevendo diálogo narrado por Tucidides, entre os representantes da poderosa Atenas e os da pequena ilha de Melios:
      ‘Atenienses: Mostraremos claramente que é para o benefício do nosso império, e também para a salvação de vossa cidade, que estamos aqui dirigindo-vos a palavra, pois o nosso desejo é mantermos o domínio sobre vós sem problemas para nós, e ver-vos a salvo para vantagem de ambos os lados.
        Melios: Mas que vantagem poderemos ter em sermos escravos, em comparação com a vossa em dominar-nos?
       Atenienses: Ser-vos-ia vantajoso submeter-vos antes de terdes sofrido os mais terríveis males, e nós ganharíamos por não termos de vos destruir.
        Melios: Então vós não consentiríeis em deixar-nos tranquilos e em sermos amigos em vez de inimigos, sem nos aliarmos a qualquer dos lados?
       Atenienses: Não, pois vossa hostilidade não nos prejudicaria tanto quanto vossa amizade; com efeito, aos olhos de nossos súditos essa seria uma prova de nossa fraqueza, enquanto o vosso ódio é uma demonstração de nossa força.’
        Por aqui já se pode perceber que estou falando de Cuba e dos EUA, que sempre tiveram o projeto da submissão e da posse da ilha de Cuba.
        Em 1808, os Estados Unidos procuraram obter da Espanha a cessão de Cuba, então sua colônia.
        Em 1823, desenvolveram a doutrina da ‘fruta madura’, segundo a qual Cuba, logo que conquistasse a independência, deveria ser incorporada aos Estados Unidos.
        Em 1898, intervieram na guerra de independência, ocuparam militarmente a ilha por cinco anos, impuseram uma Constituição que lhes assegurou o direito de intervenção e usurparam um território em Guantánamo.
        A partir daí, depuseram e instalaram governos, intervieram constantemente em assuntos internos do país.
        Cuba só conquistou a sua independência em 1º de janeiro de 1959.
       É isso que está atravessado na garganta dos americanos. Além de terem os cubanos construído uma sociedade sem mendigos, sem analfabetos, sem desamparados, e com escolas e hospitais para todos.
        Mesmo porque, depois de tudo que ocorreu no Leste da Europa, Cuba não representa a menor ameaça para os EUA.
        No entanto, nunca foram tão violentas as pressões americanas sobre os cubanos. Não vendem nada para Cuba, não compram nada de Cuba. Não satisfeitos, obrigam as empresas controladas por capitais americanos, em terceiros países, a adotar a mesma disciplina, numa flagrante agressão ao Direito Internacional. Chegam a pressionar países como o México e a Venezuela para limitar os fornecimentos de petróleo. Até a venda de pequenas peças para o tratamento cardiológico de crianças está embargada.
        O argumento agora é o de que Cuba não é uma democracia e os EUA desejam libertar o povo cubano da opressão. Depois de terem apoiado as mais sangrentas ditaduras no Continente, os americanos podiam ter agora um pouco mais de pudor com os seus zelos democráticos.
        Creio que há neste Continente uma aspiração generalizada de que Cuba venha a viver dentro das liberdades democráticas e econômicas. Dá para imaginar um cabaré estatal? Mas é preciso lembrar que esse é um processo que não pode esquecer que há trinta anos a maior potência que já houve na história, por diferentes instrumentos, faz a guerra a Cuba, que está a 150 quilômetros do seu território.
       Uma abertura política e descuidada poderá jogar para dentro de Cuba, com personagens de primeira grandeza, forças que, não tendo nada a ver com o povo cubano, dispõem de uma imensa capacidade de corrupção e da prática do crime, como entre outras, a CIA e as máfias do jogo e da prostituição.
      É por isso que nós, que tivemos tanta alegria com a queda do Muro de Berlim, renovamos esses sentimentos, com os sinais da decadência americana.
        Estou chegando de Cuba, essa bela e pequena ilha que voga no mar Caribe como um cesta de flores. A nossa palmeira imperial é originária dessa região. Em Cuba estão por toda a parte, nas grotas e nos espigões, são as senhoras dos horizontes.
        Altas, esguias com seus penachos farfalhantes, parecem guerreiros Watuzi renascidos das senzalas cubanas para o encontro marcado.
        Artigo publicado em “Por que Cuba?’, coordenação Emir Sader, Rio de Janeiro, Revan, 1992.

Nenhum comentário: