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sábado, 11 de maio de 2024

Irlandeses matavam para vender os corpos para o estudo científico no século 19

        A cidade de Edimburgo, capital da Escócia, foi um dos principais centros de estudos da anatomia humana durante o século 19. À época, os corpos utilizados para o estudo e pesquisa eram os de criminosos condenados à morte, já que não havia muitos cadáveres disponíveis, pelo menos de maneira lícita. Essa carência deu origem a um mercado paralelo e sinistro. Ladrões invadiam cemitérios e roubavam corpos recém enterrados, já que os métodos de conservação eram precários e eles precisavam estar em boas condições, e os vendiam para instituições de ensino. Mesmo quando presos, esses ladrões não podiam ser condenados, pois não existia uma legislação que considerasse como crime o roubo de sepulturas, e os cadáveres não eram considerados propriedade de quem quer que fosse.
        Dois irlandeses quiseram aproveitar-se dessa demanda e passaram a matar pessoas e vender os seus corpos a um médico. A ideia surgiu quando um deles, William Hare, morava em uma pensão, cujo proprietário faleceu. Hare casou-se, depois, com a viúva, Margaret, e passou a administrar o lugar. Em novembro de 1827, o aposentado Donald, um dos hóspedes, morreu, deixando vários meses sem pagar. A fim de se ressarcir do prejuízo, Hare resolveu vender o corpo para a escola de anatomia do doutor Robert Knox, um respeitado médico e professor escocês. Para simular o enterro de Donald, Hare contou com a ajuda do compatriota William Burke e de sua namorada, Helen Mc Douglas, que também residiam na pensão. Convencidos que essa poderia ser uma forma de conseguir uma renda extra, os criminosos resolveram dar continuidade à prática. Mas, ao invés de invadir cemitérios, passaram a atrair para a pensão pessoas carentes ou sem família, como mendigos e prostitutas, e matá-las.
        As vítimas eram embriagadas, Burke as asfixiava e Hare fazia a venda para o doutor Knox. Durante o ano de 1828, os três mataram e venderam os corpos de, pelo menos, 16 pessoas. Com o tempo, o fato de o médico ter sempre cadáveres em quantidade e em bom estado de conservação despertou suspeitas nos seus estudantes, que reconheceram dois dos corpos: um jovem com problemas mentais, Daft Jamie, muito conhecido pelas pessoas, e a prostituta Mary Paterson. Os estudantes levaram ao conhecimento do doutor Robert Knox, que não deu a importância devida, ou preferiu desconsiderar propositalmente a denúncia. Após o sumiço repentino de uma das hóspedes da pensão, a irlandesa Mary Docherty, os outros hóspedes desconfiaram e encontraram o corpo dela debaixo de uma cama, denunciando o caso à polícia. Quando os policiais chegaram na pensão, já não encontraram o cadáver, mas viram várias manchas de sangue no local e, após investigação, chegaram até o doutor Knox. Veja, abaixo, ilustração de William Burke assassinando uma das vítimas, Margery Campbell.
Gravura idealizada de Robert Seymourde mostrando Burke matando Margaret Docherty, também conhecida como Margery Campbell 
        William Hare e a esposa e William Burke e a namorada foram presos em 24 de dezembro de 1828. Em troca da sua liberdade e da sua esposa, Hare fez um acordo com a polícia, passando as informações de todos os assassinatos. Burke acabou por confessar os crimes e foi condenado à execução pública na forca, consumada em 28 de janeiro do ano seguinte, com a presença de uma multidão estimada em 25 mil pessoas, ávidas por assistir ao “espetáculo” (veja ilustração, abaixo). Na sentença, foi determinado que o seu cadáver servisse ao estudo médico, sendo posteriormente dissecado na presença de vários estudantes e curiosos. A maior parte da pele do corpo foi desviada, sendo, depois, vendida e usada até para a confecção de estojos de cartões de visita e livros; um deles está no Museu da Universidade de Edimburgo, junto com o esqueleto de Burke. A sua namorada, Helen, foi absolvida por falta de provas, mas, assim como Margaret, não se sabe o que aconteceu com elas depois.
        William Hare foi para Londres, onde acabou morrendo como indigente. Acusado pela receptação dos cadáveres, o doutor Robert Knox não foi processado porque não teria sido provado que ele tinha conhecimento da procedência dos corpos e como eles eram conseguidos. Ele alegou ter a única motivação utilizá-los para o estudo científico. A sua reputação, no entanto, decaiu significativamente e o seu curso, que chegou a ter 504 estudantes matriculados em 1827 e no ano seguinte, decaiu bastante. Os assassinatos em série para a comercialização dos corpos das vítimas chocaram os britânicos. Com o objetivo de combater o roubo de cadáveres, o parlamento do Reino Unido promulgou, em 1832, o Anatomy Act, autorizando a utilização para o estudo da anatomia dos corpos das pessoas falecidas e não reclamados por familiares ou amigos.
        Fontes: “Episódio macabro no ensino de Anatomia”, professor Joffre M. de Rezende; “William Burke e William Hare: a dupla da Era Vitoriana que matava pessoas e vendia cadáveres”, “Aventuras na História”, Caio Tortamano, 24/7/2020; Wikipédia. fr
Execução de Burke, de uma impressão contemporânea

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