Tradução para o português do artigo publicado pelo jornal 'New York Times', dos EUA, no domingo passado, dia 14/9:
"A democracia e a soberania brasileiras são
inegociáveis"
Decidi escrever este ensaio para estabelecer um
diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de
décadas de negociação, primeiro como líder sindical e depois como presidente,
aprendi a ouvir todos os lados e a levar em conta todos os interesses em jogo.
Por isso, examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump
para impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.
A recuperação dos empregos americanos e a
reindustrialização são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados
Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou para seus
efeitos nocivos. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado
Consenso de Washington, uma prescrição política de proteção social mínima,
liberalização comercial irrestrita e desregulamentação generalizada, dominante
desde a década de 1990, justificou a posição brasileira.
Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados
individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções
mais justas e equilibradas. O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão
não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit
comercial com o nosso país, nem estão sujeitos a tarifas elevadas. Nos últimos
15 anos, acumularam um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de
bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram isentas
de impostos. Pelos nossos cálculos, a tarifa média efetiva sobre produtos
americanos é de apenas 2,7%. Oito dos 10 principais itens têm tarifa zero,
incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.
A falta de justificativa econômica por trás dessas
medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O
vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste
mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que trabalhavam para abrir
canais de negociação. O governo americano está usando tarifas e a Lei Magnitsky
para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma
tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para
subverter a vontade popular expressa nas urnas.
Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal (STF) por
sua decisão histórica na quinta-feira, que salvaguarda nossas instituições e o
Estado Democrático de Direito. Não se tratou de uma "caça às bruxas".
A decisão foi resultado de procedimentos conduzidos em conformidade com a
Constituição Brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra
uma ditadura militar. A decisão foi resultado de meses de investigações que
revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do
STF. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria
efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022.
O governo Trump acusou ainda o sistema judiciário
brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas
alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, nacionais ou estrangeiras,
estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de
censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas
famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode
ser uma terra de ilegalidade, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para
atacar nossas crianças e adolescentes.
Igualmente infundadas são as alegações do governo
sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de
pagamento eletrônico, bem como sua suposta falha em aplicar as leis ambientais.
Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de
pagamento digital brasileiro, conhecido como PIX, possibilitou a inclusão
financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por
criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e
estimula a economia.
Nos últimos dois anos, reduzimos a taxa de
desmatamento na Amazônia pela metade. Só em 2024, a polícia brasileira
apreendeu centenas de milhões de dólares em ativos usados em crimes ambientais.
Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem a sua parte
na redução das emissões de gases de efeito estufa. O aumento das temperaturas
globais pode transformar a floresta tropical em uma savana, interrompendo os
padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o Centro-Oeste
americano.
Quando os Estados Unidos viram as costas para uma
relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não
há diferenças ideológicas que impeçam dois governos de trabalharem juntos em
áreas nas quais têm objetivos comuns.
Presidente Trump, continuamos abertos a negociar
qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a
soberania do Brasil não estão em pauta. Em seu primeiro discurso à Assembleia
Geral das Nações Unidas, em 2017, o senhor afirmou que "nações fortes e
soberanas permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos
diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no
respeito mútuo". É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados
Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitarem mutuamente e cooperarem
para o bem de brasileiros e americanos."
Fonte: Congresso em Foco.
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