“Contos completos: Monteiro Lobato”, 1ª edição, São Paulo, Biblioteca Azul, 2014, 659 páginas.
O escritor Monteiro Lobato é mais lembrado pelas obras infantis do
“Sítio do pica-pau amarelo”, mas ele é autor de vários outros livros, além de
contos e crônicas. Eu li o livro “Contos Completos”, que reúne quatro de suas
obras com 66 contos: “Urupês”, de 1918; “Cidades mortas”, de 1919; “Negrinha”,
de 1920; e “O macaco que se fez homem”, de 1923. Dos quatro, gostei mais de
“Negrinha”. José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948) nasceu em Taubaté, no
interior do estado de São Paulo, foi promotor público até receber a Fazenda
Buquira em herança do avô, aos 29 anos, para onde foi morar com a família, passando
a escrever contos para jornais e revistas. A Fazenda serviu de inspiração para
os personagens e histórias do Sítio do pica-pau amarelo; ela ficava localizada
na cidade de Buquira, que passou a se chamar Monteiro Lobato em sua homenagem.
O escritor foi, também, editor, tradutor, adido comercial nos Estados Unidos, e
defendeu campanhas nacionalistas, em especial a de defesa da exploração por
brasileiros do petróleo que existiria em território nacional. Em 1941, fez
fortes críticas ao governo de Getúlio Vargas e acabou preso, permanecendo na
cadeia de março a junho daquele ano. Monteiro Lobato concorreu à Academia
Brasileira de Letras duas vezes. Em 1922, lançou sua candidatura, mas
recusou-se a “implorar votos”, como viria a dizer depois, aos integrantes da
casa e recebeu somente quatro votos. No ano seguinte, chegou a citar um dos
fundadores da ABL, Alberto de Oliveira, em um dos seus contos, “O ‘resto de
onça’ “, em que debocha dele, dizendo que o seu texto é chato, e que “não fede,
nem cheira”. Em 1926, mudou de tática e enviou cartas a todos os “imortais”,
mas perdeu novamente justamente por não ter solicitado o apoio pessoalmente,
tendo recebido apenas nove votos.
Sobre o livro: eu gostei mais de alguns contos, outros menos, e vou
comentar sobre os que gostei, claro. “Urupês”
“Pollice verso” é sobre a ganância dos médicos, conto de 1916; o doutor Inácio
Gama procurava prolongar a doença do major Mendanha para conseguir mais e mais dinheiro
pelo tratamento, nada muito diferente do que acontece no Brasil mais de cem
anos depois. No conto “Bocatorta”, de 1915, Monteiro Lobato aborda um tema
pesado, com violação de sepultura e necrofilia. “Cidades mortas” No conto “Café! Café!”, de 1900, o major Mimbuia
recusou-se a diversificar o plantio de outras espécies, como feijão e milho,
diante da baixa dos preços do café: “Não! Só café! Só café! Há de subir, há de
subir muito. Sempre foi assim. Só café! Só café!” Mas os preços caíram ainda
mais e o major foi à falência, persistindo em aguardar a subida dos preços do
café. Em “Toque outra”, conto sem data, convidados insistem para que Sinhazinha
fique ao piano durante um evento social, enquanto estão conversando em grupos,
sem prestar nenhuma atenção às músicas. “Negrinha”
Pedrinho, de apenas nove anos, saiu à rua para engraxar sapatos a fim de ajudar
sua família pobre, mas foi levado por um fiscal da prefeitura até a sua casa
para cobrar dos seus pais uma pesada multa pelo exercício da profissão sem
licença, em “O fisco (conto de Natal)”, de 1918; uma realidade muito diferente
de hoje em dia em que se vê milhares de crianças vivendo nas ruas das grandes
cidades sem que as autoridades intervenham. “Os negros”, de 1922, conta a
história de um amor proibido entre um imigrante português pobre pela filha do
fazendeiro, que terminou nas mortes dele e da escrava que tentou ajudá-lo. Em
“Barba azul”, de 1922, um homem enriquece ganhando seguros de vida de suas
esposas, que morrem no parto. Gostei muito do curioso e interessante conto “Os
pequeninos”, de 1939, são duas histórias: uma ema que era comida viva por um
pequenino gavião embaixo de sua axila, onde a ema não podia chegar com o bico,
e um funcionário de armazém que foi demitido pelo sumiço de um saco de arroz,
que caíra da pilha devido ao ataque de formigas; o saco ficou mais leve de um
lado e caiu no outro, onde ficou escondido em meio a caixotes e somente foi descoberto
muito tempo depois. Em “A policitemia de dona Lindoca”, sem data, a esposa é
diagnosticada por um médico charlatão com um mal de nome chique e passa a ser
tratada com mais atenção pelo marido, até que, meses depois, outro médico diga
que tudo não passou de uma estafa e a mulher volta à vida de dona casa
negligenciada pelo marido. “Quero ajudar o Brasil...”, de 1938, é sobre um
homem humilde que gastou todas suas economias para comprar ações da Companhia
Petróleos do Brasil, de Monteiro Lobato, sem nenhuma garantia de retorno, com a
justificativa de querer ajudar o país. Em “Dona Expedita”, de 1939, devido a um
erro do jornal, uma mulher responde anúncio de outra, oferecendo-se como
empregada, emprego que ela própria também buscava. O conto “Herdeiro de si
mesmo”, de 1939, é sobre um coronel milionário que procurou a ajuda de um
diretor de centro espírita para saber se conseguiria descobrir em quem
reencarnaria para deixar a sua fortuna, antecipadamente, para ele próprio! “O macaco que se fez homem” “Duas
cavalgaduras”, de 1923, é sobre o prejulgamento do autor em relação a um judeu
proprietário de sebo no bairro do Catete, baseando-se na história de um livro
que a sua editora publicara no ano anterior, em que o personagem também judeu e
dono de uma livraria aproveitou-se de um estudante que precisou vender os seus
livros para conseguir dinheiro para ajudar sua irmã. Em “Um homem honesto”, de
1923, João Pereira é um funcionário público honesto que encontrou um pacote com
uma quantia muito alta de dinheiro e o entregou ao chefe da estação, passando a
sofrer com o deboche das outras pessoas, inclusive da própria esposa, que o
criticaram por não ter ficado com o dinheiro. “O bom marido”, de 1922, mostra
Teofrasto (que nome, hein!?), que explora a esposa dizendo estar sempre à
procura do emprego que esteja à sua altura. “O rapto”, de 1923, é sobre um cego
explorado pelos filhos, que não queriam trabalhar e apenas viver às suas
custas, já que o pai era o único cego da sua pequena cidade e recebia ajuda
financeira da população; quando um oftalmologista prometeu operá-lo e acabar
com a cegueira, os filhos o levaram embora para outra cidade, para continuar
aproveitando-se dele. O famoso personagem Jeca Tatu teve sua primeira aparição
através de uma citação no conto “Velha Praga”, de 1914, no livro “Urupês”,
sobre as queimadas que eram feitas à época. Depois, no conto “Urupês”, do mesmo
ano, Jeca Tatu simboliza a indolência do homem do campo. (Eu registro em meu
blog um resumo das minhas leituras, seguindo a minha interpretação e
preferências pessoais, como leitor, acerca do que mais me desperta o interesse,
sem preocupação em me aprofundar em análises mais abrangentes e
acadêmicas.) fr

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