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domingo, 15 de abril de 2018

Dica de livro: "Helena"

Helena, Machado de Assis, Rio de Janeiro, editora Rovelle, 2008, 158 páginas (Um passeio pelo tempo machadiano).
 
Li recentemente mais este livro de Machado de Assis (1839-1908), e gostei muito. Lançado em 1876, ele faz parte da chamada fase romântica do autor. É ambientado no Brasil Colônia, quando o país ainda convivia com a escravidão e o patriarcado. Em 1859, com a morte do conselheiro Vale, sua família é surpreendida pela inclusão como herdeira em seu testamento de uma filha desconhecida até então - Helena, de cerca de 17 anos. E pela solicitação de que ela fosse aceita por todos como se fosse filha de sua esposa, já falecida e que aceitava com resignação sua aventuras extraconjugais.

Na chácara do conselheiro, localizada no bairro do Andaraí, moravam a irmã do conselheiro, dona Úrsula, e o filho, Estácio, de 27 anos, e viúvo, que aceita a chegada da irmã à família de imediato. Dona Úrsula, no entanto, mostra alguma resistência no início em receber na família uma “intrusa”, concordando somente em que fosse paga a sua parte na herança, mas, aos poucos, vai aceitando Helena como sobrinha. Frequentadores habituais da casa, o médico da família, doutor Camargo, e o padre Melchior, têm posturas diferentes. O primeiro não aceita bem a chegada da jovem, que até então ninguém sabia que existia, porque tinha esperanças que Estácio viesse a se casar com sua filha, Eugênia. A chegada de mais um parente significava para ele a diminuição do patrimônio do pretendido futuro genro. Estácio não tinha muita convicção se deveria casar com a ela, mas sabia que era a decisão que esperavam que ele tomasse:

“O amor de Estácio tinha a particularidade de crescer e afirmar-se na ausência e diminuir logo que estava ao pé da moça. De longe, via-a através da nuvem luminosa da imaginação, ao pé era difícil que Eugênia conservasse os dotes que ele lhe emprestava.”

O religioso, ao contrário, recebe muito bem Helena, que perdera a mãe quando ela tinha 12 anos e levou à residência da família uma alegria e uma descontração que encantaram a tia e o irmão. Entretanto, ao apresentar a irmã a um antigo colega da juventude, Luis Mendonça, recém-chegado da Europa, Estácio não aceita bem que este se apaixone por Helena, e se recusa a abençoar a união dos dois. Helena, por sua vez, não demonstra muito entusiasmo pelo casamento, mas o aceita por convicção:

“Paixões de largos anos, chegando ao casamento, acabam muitas vezes pela separação ou pelo ódio, quando menos pela indiferença. O amor não é mais que um instrumento de escolha; amar é eleger a criatura que há de ser companheira na vida, não é afiançar a perpétua felicidade de duas pessoas, porque essa pode esvair-se ou corromper-se. Que resta à maior parte dos casamentos, logo após os anos de prisão? Uma afeição pacífica, a estima, a intimidade. Não peço mais ao casamento, nem lhe posso dar mais do que isso.”

            A descoberta de um segredo mantido por Helena acaba por mudar o sentimento de todos a seu respeito. Próximo da residência da família, havia uma casa pobre, onde residia um homem misterioso, a quem Helena visitava frequentemente. A descoberta gerou desconfianças entre os familiares, conflitos com conceitos morais da época e acabou levando a um desfecho inesperado.
 
           Lendo sobre o livro na internet, encontrei a informação de que a “crítica moderna” consideraria o livro “Helena” “o mais "fraco romance de Machado de Assis”, voltado apenas para mulheres românticas e muito sensíveis. Vai entender... eu o considero um dos seus melhores livros! Como todos os outros que já li do autor, seus textos se utilizam de expressões do século 19 e da mesóclise (“vexar-me-ia...”), mas a leitura é agradável e Machado de Assis consegue prender a atenção do leitor, mantendo um clima de expectativa e de suspense sobre o final da estória.

           “Helena” é narrado na primeira pessoa, e, em determinadas passagens, o autor conversa com o leitor, característica que eu já identifiquei em outros de seus livros. Três curiosidades constatadas no livro me chamaram a atenção. Uma pessoa com 60 anos, idade do padre Melchior, por exemplo, já se considerava um “ancião”, que podia morrer a qualquer hora. E o casamento era o caminho natural que se esperava das pessoas, mesmo que sem amor. Os homens para serem vistos com mais respeito, e as mulheres, desde cedo, preparadas para ter filhos, cuidar da casa e da família, e para não ficarem “para titias”. À época, as pessoas utilizam as correspondências para se comunicar, entregues pelos seus escravos. “Helena” foi adaptado para a televisão, no gênero de novela, em algumas oportunidades. Eu indico, é um ótimo livro, um dos melhores de Machado de Assis. fr

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