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sábado, 14 de setembro de 2019

Dica de livro: "Carmen: uma biografia" (parte final)

        Carmen Miranda tinha em seus primeiros filmes nos Estados Unidos um “diretor de diálogos”, um brasileiro radicado em Los Angeles. Ele a ensinava a falar os diálogos em um inglês pela sua sonoridade, explicando o sentido para que ela pudesse fazer a interpretação adequada. Carmen falava e cantava muito rápido, o que foi chamado de “português-locomotiva” pelo “New York Herald”. O público nos Estados Unidos gostava disso, não se importando em que idioma ela se comunicava, nem se não entendiam.
         Ela era visto mais como uma comediante de cinema do que propriamente uma cantora. Assim, mesmo anos depois, quando Carmen já falava bem o inglês, os empresários faziam com que ela continuasse a falar errado e com sotaque. Era uma de suas marcas como artista, assim como os turbantes, os sapatos plataformas e as roupas.
 Em 1941, Carmen Miranda colocou as mãos, pés e assinatura no quadrado de cimento do Chinese Theatre, em Hollywood. Apesar de todo o sucesso que conseguiu nos Estados Unidos, Carmen nunca quis se naturalizar estadunidense, mesmo tendo recebido pedidos dos produtores de cinema para que o fizesse.
          Carmen quase morreu em 1943, após ter feito uma cirurgia plástica no nariz nas mãos de um médico charlatão de Los Angeles. Houve uma posterior infecção no fígado por conta da cirurgia, e ela chegou a ser desenganada pelos médicos. Mas, conseguiu se recuperar. Carmen sempre quis se casar e ter filhos, mas os homens por quem se apaixonou não tinham o mesmo desejo.
        E foi assim que ela se casou em 17 de março de 1947, com Dave Sebastian, assistente do produtor do filme “Copacabana”, uma comédia musical que fez com Groucho Marx no ano anterior. O casamento foi conturbado. Segundo o livro, Dave Sebastian usava o dinheiro de Carmen Miranda para proveito próprio, e ele não se dava bem com as irmãs dela. Dave administrava a carreira da artista, recebendo 15% dos valores, e não o fazia com competência. 
Nos anos seguintes, Carmen Miranda passou também a beber. E precisava cada vez mais de seus remédios para poder cumprir sua rotina de trabalho, e justamente por causa deles dormia demais. Ela tinha que recorrer cada vez mais às anfetaminas (estimulantes) para trabalhar. “Era um círculo vicioso, em que a alternativa era dormir muito ou não dormir nada.” 
Envelhecia antes do tempo, ficou inchada, sua saúde foi sendo comprometida, dependente dos remédios e da bebida. Pequenas abstinências geravam “insegurança, ansiedade, hipersensibilidade, choro fácil, boca seca, falta de fôlego, irritabilidade e sentimento de culpa”. Em situações mais sérias, sentia “tremores violentos, dores no corpo, paranoias, ranger de dentes” e convulsões. Em agosto de 1948, Carmen engravidou, um desejo antigo seu. Se fosse menino, ele se chamaria Roberto, e se fosse menina, Maria Carmen. 
“Menino ou menina, seria o produto de um desejo tão antigo que se poderia dizer de décadas. E Carmen via ali, quem sabe, sua última chance de ser mãe. Esse fora o principal motivo para o casamento com Sebastian, e ela já estava aflita pelo fato de, um ano e meio depois, não haver nem suspeita de cegonha no horizonte.” 
No final do mês seguinte, porém, ela sofreu um aborto espontâneo em Nova Iorque, e foi informada pelos médicos que não poderia mais engravidar. Carmen nunca teve o filho que sempre desejou ter. Depois disso, não havia mais sentido manter um casamento infeliz, mas o marido não quis consentir no divórcio. O casal deixou de morar no mesmo quarto, mas Dave Sebastian continuou na casa de Carmen. 
Ela poderia ter convencido Dave a aceitar o divórcio oferecendo um vantajoso acordo, mas havia outros dois motivos para impedi-lo. A mãe de Carmen Miranda, Maria Emilia, católica fervorosa, era totalmente contra a filha se divorciar; “e os padres da igreja do Bom Pastor”, que também não o aceitavam. Permaneceram em uma convivência difícil, em que Carmen o tratava muitas vezes com desprezo, mas, também, pelo menos nos primeiros anos, em algumas vezes permitia que ele frequentasse o seu quarto. 
       A colombiana Estela Girolami era a empregada de Carmen em sua casa, desde 1951, e a acompanhava como camareira nos shows e nas viagens. Segundo ela, a artista alternava sentimentos: 
“Estava sempre rindo e fazendo rir na presença dos outros. Mas ficava triste e muda assim que as visitas iam embora”. 
Em 1953, Carmen Miranda chegou a ser submetida a um tratamento à base de eletrochoques em um hospital em Palm Springs, na Califórnia. Era um procedimento bastante primitivo, em que o paciente não recebia anestesia ou relaxante muscular, e nem tinha acompanhamento cardíaco. 
Carmen foi amarrada à mesa, “com uma cunha de borracha na boca, para impedi-la de decepar a língua com os dentes” e recebia uma corrente elétrica pelo encéfalo. Era uma cena horrível. Ela chegou a perder a consciência, ter uma convulsão e até mesmo uma parada cardíaca. Após o tratamento, Carmen dormia até o fim da tarde e acordava relaxada, mas ausente, sem lembrar o que ocorrera. Foram cinco sessões em pouco mais de um mês. 
        Em 1954, ela viajou para o Rio de Janeiro para se tratar. Chegou no dia 3 de dezembro. Recebeu acompanhamento do médico do então presidente Café Filho, que recomendou que ela ficasse isolada em uma suíte no Copacabana Palace, sem sair ou receber visitas, com exceção da irmã, Aurora. Foram 48 dias no hotel, passando a maior parte do tempo do dia dormindo, à base de uma dieta especial, com o objetivo de livrá-la da dependência dos remédios. Satisfeito com a melhora, o médico permitiu que ela voltasse a sair com os amigos. 
No Carnaval de 1955, Carmen foi levada para o Hotel Quitandinha, em Petrópolis, por oferecimento do seu proprietário, onde foram reservados dois quartos. Uma suíte presidencial para Carmen, e outro quarto para o casal dono do hotel. Aurora descobriu que Carmen conseguiu ter acesso a bebidas, pedindo à cantora Marlene que levasse uísque para ela; e encontrou também tranquilizantes em sua bolsa. 
Ao retornar para o Rio, o médico ainda julgou necessário mais um tempo de retiro, e Carmen foi para o Haras Guanabara, próximo a Bananal, em São Paulo. Carmen Miranda e a mãe retornaram para os Estados Unidos no dia 4 de abril de 1955. Era a última vez que ela esteve no Brasil com vida. 
Em 1955, Carmen Miranda estava presa aos medicamentos. Precisava tomar alguns para dormir, e outros para acordar. Após retornar de Cuba, onde se apresentou, Carmen gravou, em agosto, uma participação no programa de televisão “The Jimmy Durante Show”. No ensaio, três dias antes da gravação, Carmen comentou com o apresentador que estava muito cansada. 
Após o programa e dois compromissos sociais que teria no dia seguinte, ela pretendia descansar, em férias. No dia 4, durante a gravação, ela quase caiu, e precisou segurar-se em Jimmy Durante. Ela se recuperou rápido, e ainda comentou: “Fiquei sem fôlego!”. Assista ao vídeo no meu blog. 
     Ao voltar para sua casa, em Beverly Hills, Carmen ainda recebeu alguns convidados, além da mãe, o marido e o Bando da Lua. Ela ficou conversando sobre sua viagem a Cuba e o programa na TV, e até cantou algumas músicas. À meia-noite, o marido foi dormir; em seguida sua mãe; e, em seguida, aos poucos, os demais. Somente por volta das duas e meia da manhã do dia 5 de agosto, Carmen se despediu e foi dormir, ainda deixando algumas pessoas conversando. No quarto, trocou de roupa, e foi para o banheiro retirar a maquiagem. 
      “Na volta, no pequeno hall entre o banheiro e o quarto, onde ficava sua coleção de perfumes, o ar lhe fugiu de novo, as pernas lhe faltaram, e Carmen caiu pela última vez – ali mesmo, com um espelho na mão. Uma oclusão das coronárias fizera explodir uma vasta área de seu coração – um infarto maciço. (...) Seus amigos, os que ficaram até depois das três, divertiam-se inocentemente enquanto ela morria sozinha em seu quarto”. 
      Somente às onze horas da manhã, a morte de Carmen foi descoberta. Foi Dave Sebastian, o marido, que a encontrou caída no chão do hall de seu quarto. Uma semana depois, Carmen Miranda retornava, definitivamente, para o seu país, o Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro. Morreu com apenas 46 anos. O velório foi na Câmara dos Vereadores, e uma multidão foi se despedir da ‘pequena notável’. Não houve autópsia, devido à religião do marido, judeu, que não a autorizou. Ela foi enterrada no dia 13 de agosto, no cemitério São João Batista, em Botafogo.   
“Num dos carros do cortejo, estava o marido, Dave Sebastian. Finalmente ele viera ao Brasil com Carmen. Para Sebastian, valera a pena suportar todas as humilhações. Carmen se recusara a deixar testamento e, com a morte dela, ele ficaria com as casas de Beverly Hills e Palm Springs, os poços de petróleo (tudo isso adquirido por Carmen antes do casamento – fora, portanto, da comunhão de bens), as ações, os depósitos bancários e o dinheiro vivo. À família e ‘ao Brasil’, Sebastian doou os vestidos, fantasias, turbantes, plataformas, balangandãs, adereços de palco, fotos, partituras, objetos pessoais e farta bijuteria de Carmen – tomando o cuidado de conservar as jóias verdadeiras, que estavam a salvo nos bancos. Enfim, conservou os valores e livrou-se do bricabraque. A família de Carmen nunca contestou tal divisão e ainda se deu por feliz por Sebastian não ter cumprido a ameaça de tentar apossar-se das propriedades no Rio: a casa na Urca, o terreno em Jacarepaguá e as salas na Avenida Presidente Vargas (o prédio de apartamentos no Catete já não existia mais). 
         Mas o que para Sebastian era bricabraque, para os adoradores de Carmen era um tesouro. Tão generosa quanto Carmen, a família levaria as décadas seguintes presenteando os fãs da estrela com seus objetos pessoais. Com o que se conservou da artista foi feito o Museu Carmen Miranda, no Rio.” 
         No Brasil, Carmen participou de seis filmes. Durante os 16 anos em que viveu nos Estados Unidos, Carmen Miranda fez 14 filmes. O primeiro, de 1940, foi “Serenata Tropical”, em que ela aparece apenas cantando. O livro informa que “Entre a loura e a morena”, de 1943, “é considerado, quase por unanimidade, o melhor filme de Carmen”. O seu último trabalho no cinema dos Estados Unidos foi o filme “Morrendo de Medo”, em 1952, da dupla Dean Martin e Jerry Lewis; que eu assisti no Telecine Cult. Carmen Miranda não se considerava uma atriz, porque nunca aprendeu a representar; considerava-se uma “entertainer”. 
Após ler o livro, fiquei interessado em conhecer o Museu Carmen Miranda, mas o acervo estaria passando por uma restauração por parte da secretaria estadual do Rio de janeiro, e ele está fechado para o público desde 2013. Existe a previsão de que o acervo seja transferido para a futura sede do Museu da Imagem e do Som (MIS), que deverá ser inaugurada em Copacabana (não se sabe quando...). 
Eu entrei em contato, por email, com o Museu, que me respondeu que somente estão atendendo pesquisadores que apresentarem o seu projeto para aprovação. São seis anos de museu fechado, para mim é muito tempo! É uma pena, porque eu gostaria de poder fazer uma visita ao museu, e mostrar minhas fotos aqui, no meu blog. 
Eu pesquisei na internet e acrescento algumas informações sobre o museu. Em 1956, foi oficialmente criado o Museu Carmen Miranda, no Parque do Flamengo, por meio do decreto nº 886, assinado pelo então governador do Distrito Federal, Negrão de Lima. No ano seguinte foi organizada a primeira exposição póstuma, na Praça do Congresso, pelo presidente Juscelino Kubitschek. A inauguração do museu, no entanto, somente veio ocorrer em 1976. 
O museu guarda uma extensa coleção de objetos relacionados à cantora, que ultrapassa os 3.500 itens. São objetos pessoais, como vestidos, sapatos e acessórios; documentos, fotografias, partituras, roteiros de seus filmes nos Estados Unidos, troféus, matérias em jornais e revistas, entre outros. Entre esses itens, estão a saia usada por Carmen Miranda em sua estreia na Broadway; a roupa que usou em sua última apresentação pública, no programa Jimmy Durante, no dia anterior à sua morte; o turbante que usou em seu casamento; e a própria certidão de casamento.  
        No Rio de Janeiro, há uma rua com o nome da artista, no bairro de Jardim Guanabara, na Ilha do Governador, onde também teria um busto seu, feito pelo artista Mateus Fernandes. Ele foi inaugurado em novembro de 1960 no Largo da Carioca, mas desde 1979 passou a ficar no Jardim Guanabara. Não sei qual a razão para a mudança, porque não li nenhuma ligação da artista com aquele bairro. Somente o fato da rua ter o seu nome. Estátua em homenagem a Carmen Miranda não tem, apesar de já ter havido um abaixo assinado de seus admirados pedindo uma.  
            Fica a minha dica para quem se interessar pela leitura. fr

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