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sábado, 23 de maio de 2020

Dica de livro: "A escrava Isaura"

“A escrava Isaura”, Bernardo Guimarães; São Paulo, editora Martin Claret, Coleção A obra prima de cada autor, 2006, 176 páginas.
         
           Aproveitando esse período forçado dentro do apartamento por conta da ameaça do novo coronavírus, li “Escrava Isaura”, do escritor mineiro Bernardo Guimarães. A estória ocorre durante os “primeiros anos do reinado do Sr. D. Pedro II”. Juliana, a mãe de Isabel, era escrava, mucama da esposa do comendador Almeida, uma pessoa fria e sem moral, dono de uma fazenda na cidade de Campos dos Goytacazes.
           O fazendeiro obrigava Juliana a ter relações com ele, e quando a esposa descobriu, castigou a escrava mandando-a para a senzala, onde ela foi acolhida pelo feitor Miguel, um português que tratava os escravos com humanidade. Os dois tiveram uma filha, Isaura, uma menina branca, mas nascida na escravidão.
Ao descobrir a união de Juliana e Miguel, o comendador despediu o feitor, e passou a submeter a escrava a severos castigos, o que a levou à morte. Isaura não chegou a conhecer a mãe, mas passou a receber a proteção da esposa do comendador, que a tratou como filha, dando-lhe ótima educação, ensinando-a a ler e a escrever, tocar piano, dançar, falar italiano e francês. Com mais idade, Isaura passou a ser sua mucana, assim como a mãe dela tinha sido. Além de a mais bela moça da região, admirada pelos homens e invejada pelas mulheres, era boa com todos, mas ciente e resignada com a sua condição de escrava.
O único filho do comendador Almeida era Leôncio, um jovem que puxou os defeitos do pai: “era um digno herdeiro de todos os maus instintos e da brutal devassidão do comendador”. Arrogante, perdulário e prepotente, ele nunca gostou de estudar, passou a morar na Europa, gastando o dinheiro da família. Aos 25 anos, decidiu voltar para Campos e casar-se, a fim de conseguir parte de sua herança mais cedo. O seu casamento com Malvina, filha de um rico negociante da Corte, foi uma união combinada pelos pais, e ele nunca chegou a amá-la.
Após o casamento, Leôncio passou a morar na fazenda com Malvina e a mãe. O comendador, já muito idoso e doente, decidiu morar na Corte, aproveitando o fim da vida, o que não causou nenhuma contrariedade à sua esposa, que sabia de sua infidelidade e caráter. A administração da fazenda foi passada a Leôncio, que se encantou logo com a beleza de Isaura, assim que a viu, após anos sem encontrá-la, afinal passara anos fora do Brasil.  
Com a morte da mãe de Leôncio, Malvina começou a se afeiçoar por Isaura, que passou a ser sua mucama, amiga e companheira. A mãe de Leôncio, no final da vida, desejava incluir Isaura em seu testamento, deixando registrado que, após a sua morte, ela deveria ser libertada e receber um legado suficiente para se manter. Mas, o comendador sempre protelou essa decisão, e isto nunca foi feito. Eu considero que foi, na realidade, uma atitude egoísta da mãe de Leôncio, que poderia ter intercedido pela alforria de Isaura há bem mais tempo, mas temia perder sua companhia. Malvina passou a cobrar do marido a liberdade de Isaura.
 A beleza de Isaura encantou o irmão de Malvina, Henrique, em visita à fazenda; o pajem André, e o jardineiro Belchior, um homem corcunda e considerado repulsivo. Ela, no entanto, não aceitava nenhuma das promessas que recebia, nem mesmo do próprio Leôncio, porque desejava um homem  a quem amasse.
Malvina flagrou uma das investidas do marido sobre Isaura, e ficou revoltada com o seu comportamento, exigindo que Leôncio libertasse Isaura e a mandasse embora. Leôncio não aceitava se afastar de Isaura, nem quando o pai dela conseguiu recolher os dez contos de réis exigidos pelo comendador para pagar pela sua liberdade.
Com a morte do comendador, Leôncio assumiu todas as propriedades. Inconformada com a negativa do marido, Malvina foi para a casa dos pais, com Henrique. Leôncio passou a castigar Isaura, mandando-a trabalhar com as escravas tecendo lã e algodão, e, como ela não aceitava suas propostas,  passou a ameaçar colocá-la no tronco: “ou o meu amor, ou o meu ódio”. O destino de Isaura estava repetindo os últimos dias de sua mãe, que morreu com os castigos físicos sofridos a mando do comendador, e ela estava disposta a se matar para se livrar desse sofrimento. Desesperado, Miguel usou o dinheiro que tinha para a alforria da filha, e fugiram para Recife.
Vivendo com novos nomes, os dois procuraram não chamar a atenção, mas, novamente a beleza de Isaura acabou sendo o seu maior problema na sociedade do século 19. Álvaro, um jovem rico, liberal, republicano e abolicionista, apaixonou-se por Isaura ao vê-la quando fazia um passeio a cavalo. E o amor foi correspondido. Isaura e Miguel cederam à insistência do rapaz, que não sabia do passado dos dois, e o acompanharam a um baile.
Isaura acabou sendo reconhecida por um ganancioso estudante da região, que a viu em um dos anúncios que Leôncio mandou publicar em jornais do país, descrita, com seus detalhes físicos, e quis a recompensa oferecida. Durante o baile, conseguiu um mandado de apreensão e a presença de um oficial de justiça para deter Isaura. (Como é que ele conseguiu tudo tão rápido, não ficou esclarecido?.... 😃 😃 😃) No final, Martinho não conseguiu receber a recompensa.
Isaura e Miguel foram detidos, apesar da interferência de Álvaro, que não se importava de Isaura ser uma escrava, condição que ele considerava um absurdo. “Pode um homem ou a sociedade inteira contrariar as vistas do Criador, e transformar em uma vil escrava o anjo que sobre a Terra caiu das mãos de Deus?...”
Isaura voltou para a senzala, e o pai foi obrigado a pagar as despesas que Leôncio teve para buscar a filha, passando a pagar com trabalho. Leôncio conseguiu desculpar-se com Malvina, e que ela voltasse para a fazenda. Com a intenção de se vingar de Isaura e de Álvaro, ele impôs a Miguel e à filha, que aceitassem o casamento dela com o corcunda Belchior. Leôncio falsificou uma carta que seria de Álvaro, em que ele dizia estar se casando, e prometeu a Miguel o perdão da dívida e uma ajuda na nova vida deles.
Diante da suposta mudança de Álvaro, Isaura acabou conformando-se com o destino infeliz. A reviravolta se deu com a chegada do jovem à fazenda, em Campos, afirmando que era o novo proprietário de todos os bens de Leôncio, inclusive Isaura, a quem deu a imediata alforria. O cruel fazendeiro, assim com o pai, nos últimos dias de vida, tinha esbanjado a fortuna, e feito dívidas que representavam o dobro do que possuía. Em desespero, Leôncio entrou em casa e se matou com um tiro.
O livro foi publicado em 1875, quando a campanha abolicionista ganhava força no país, e alcançou um grande sucesso, que permanece até hoje. O autor, Bernardo Guimarães, é o patrono da cadeira número 5 da ABL (Academia Brasileira de Letras). Em 1976, a Rede Globo adaptou o texto para novela, com Lucélia Santos no papel principal, exportando-a para mais de cem países no mundo. Em 2004, a TV Record também filmou a estória, mas sem o mesmo sucesso da concorrente.
À época, a escravidão ainda era considerada algo aceitável para a maioria das pessoas, e era algo reconhecido pelas leis. Não apenas no Brasil, mas em outros países. Eu acredito que tenha sido, justamente, para vencer essa visão da época, que o autor tenha decidido que a personagem seria uma escrava branca. Assim, talvez, foi a maneira de fazer com que muitos dos seus leitores e leitoras tenham se colocado no lugar de Isaura. fr

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