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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Dica de livro: "O Guarani"


“O Guarani”, José de Alencar; Rio de Janeiro, Edições de Ouro, s/ano, ‘Clássicos brasileiros’, 448 páginas.

 Eu li e gostei muito deste livro, que é um dos mais importantes clássicos da literatura brasileira. A sua estória se passa no ano de 1604, no interior do estado do Rio de Janeiro, à margem direita do Rio Paquequer, na Serra dos Órgãos. A Espanha governava Portugal, sob a chamada União Ibérica, e naquela época as florestas tomavam conta da região, com a presença do homem branco ainda muito pequena.
O fidalgo português “de cotas d’armas” D. Antônio de Mariz, 60 anos, participou da resistência portuguesa que expulsou os franceses do Rio de Janeiro em 1567, e é um personagem que realmente existiu. Após pesquisar sua biografia, li que ele nasceu em 1536 e faleceu em 1584, antes, portanto, da época em que passou a história do livro. Pelos seus serviços prestados, ele recebeu do governador-geral Mem de Sá uma sesmaria naquela localidade, ou seja, um pedaço de terra não aproveitado, onde construiu uma grande casa.
         D. Antônio vivia com a sua família naquela que era uma das poucas habitações na Serra dos Órgãos. A esposa, D. Lauriana, de 55 anos; um casal de filhos, D. Diogo e D. Cecília; e uma sobrinha, D. Isabel, que, na realidade, era uma filha que teve com uma índia. Em torno de quatro quilômetros da casa, viviam “aventureiros pobres” em cabanas, que subsistiam do “contrabando do ouro e pedras preciosas, quem iam vender na costa”.
Esses homens deslocavam-se nas chamadas “bandeiras”. Eram “caravanas de aventureiros que se entranhavam pelos sertões do Brasil, à busca de ouro, de brilhantes e esmeraldas, ou à descoberta de rios e terras ainda desconhecidos”. Eles se uniam na defesa de ataques de índios, e nas ocasiões de perigo, recorriam a D. Antônio, que os recebia como seu protetor. Ele era o grande senhor desses homens, que lhe deviam prestar respeito e obediência total.
         A linda jovem Cecília, 16 anos, despertava o interesse dos homens, e, mesmo que involuntariamente, os seus melhores e piores sentimentos. Álvaro de Sá, 28 anos, um dos que viviam da exploração das riquezas da região, era apaixonado por ela, e tinha o respeito de D. Antônio, que lhe prometeu a mão da filha, caso ela concordasse com o casamento. O italiano Loredano tinha um passado de pecado e crime, tendo abandonado a Igreja, da qual era frei, em busca de um tesouro que lhe faria rico. Não tinha amor por Cecília, apenas a queria para satisfazer os seus desejos.
Peri abandonou a família e abriu mão da liderança de sua tribo Goitacás para servir fielmente a Cecília. Após D. Antônio salvar a vida da mãe do índio, e Peri conhecer a filha do fidalgo, ele a associou à imagem de Nossa Senhora, com quem tinha sonhado dias antes. Ele vira a imagem da santa em uma igreja, destruída pelo fogo durante guerra contra homens brancos. No sonho, ele ouviu o que seria a vontade de Nossa Senhora, cuja visão lhe marcou: “Peri, guerreiro livre, tu és meu escravo; tu me seguirás por toda a parte, como a estrela grande acompanha o dia.” 
         Os três homens queriam Cecília, mas por razões bem diversas, “Loredano desejava; Álvaro amava; Peri adorava”:
. “Em Álvaro, cavalheiro delicado e cortês, o sentimento era uma afeição nobre e pura, cheia de graciosa timidez que perfuma as primeiras flores do coração, e do entusiasmo cavalheiresco que tanta poesia dava aos amores daquele tempo de crença e lealdade.”
. “Em Loredano, o aventureiro de baixa extração, esse sentimento era um desejo ardente, uma sede de gozo, uma febre que lhe requeimava o sangue; o instinto brutal dessa natureza vigorosa era ainda aumentado pela impossibilidade moral que a sua condição criava, pela barreira que se elevava entre el, pobre colono, e a filha de D. Antônio de Mariz, rico fidalgo de solar e brasão.”
. “Em Peri, o sentimento era um culto, espécie de idolatria fanática, na qual não entrava um só pensamento de egoísmo; amava Cecília não para sentir um prazer ou ter uma satisfação, mas dedicar-se inteiramente a ela, para cumprir o menor dos seus desejos, para evitar que a moça tivesse um pensamento que não fosse imediatamente uma realidade.”
         Peri atendia cegamente a toda e qualquer vontade da jovem Ceci, como ele a chamava, e cujo significado da palavra, em sua língua, era o que ele tinha como sentimento: “doer, magoar”. O índio não se importava em correr enormes riscos apenas para fazê-la dar um sorriso, até mesmo a sacrificar sua própria vida. Era uma devoção sem limites: “Peri é filho do sol; e renegava o sol se ele queimasse a pele alva de Ceci. Peri ama o vento; e odiava o vento se ele arrancasse um cabelo de ouro de Ceci. Peri gosta de ver o céu; e não levantava a vista, se ele fosse mais azul do que os olhos de Ceci.”.
As vidas de todos esses personagens se encontraram e os seus destinos começaram a ser definidos a partir de um acidente na floresta. Durante uma caçada, D. Diogo matou, sem querer, uma das índias Aimorés, tribo canibal inimiga dos Goitacases. Em busca de vingança, os Aimorés decidiram matar a filha de D. Antônio, a quem responsabilizaram pelo acontecido, e atacar a casa. Ao mesmo tempo, Loredano também planejava atacar a família do fidalgo português, e convenceu os aventureiros a participar. Ele queria pilhar a residência, depois queimá-la, e matar toda a família, menos Cecília, a quem pouparia para satisfação pessoal.
         Diante de um inimigo comum, os aventureiros uniram-se em uma trégua momentânea à família de D. Antônio e aos que já a apoiava, para combater os Aimorés, em uma luta que durou dias. Peri adorava Ceci, e tudo podia fazer para defendê-la, inclusive sacrificando-se para conseguir salvar sua vida.
A luta generalizada entre índios, aventureiros e defensores da família de D. Antônio é o pano de fundo para a definição do que viria acontecer com os personagens: Ceci, Peri, Álvaro, Loredano e a família de D. Antônio. Eu não vou adiantar o que aconteceu, para não estragar a surpresa do final daqueles que resolvam ler o livro. Eu indico!
         José de Alencar nasceu no Ceará, em 1º de maio de 1829, filho de político, que chegou a exercer os cargos de presidente de província e senador. Além de escritor, Alencar foi advogado, jornalista e também entrou na política, sendo deputado e ministro da Justiça. Tentou ser senador, a exemplo do pai, mas não contou com o apoio do imperador, D. Pedro II, o que lhe causou grande frustração. Morreu em 12 de dezembro de 1877, aos 48 anos, vítima de tuberculose. É o patrono da cadeira nº 23 da ABL (Academia Brasileira de Letras), escolhido pelo seu primeiro ocupante, o próprio Machado de Assis, um dos fundadores da Academia.
         ‘O Guarani’ foi publicado pela primeira vez em capítulos no jornal ‘Diário do Rio de Janeiro’, no ano de 1857, e sua primeira edição foi lançada no mesmo ano. O texto de José de Alencar é muito bem estruturado, com a elaboração de acontecimentos que se intercalam e prendem a atenção do leitor até o final. E muito descritivo, com muitos detalhes. Alencar mostra, em suas ‘notas do autor’, que pesquisou para escrever sobre os personagens, a região e os costumes das tribos indígenas.
         “O título que damos a este romance significa o indígena brasileiro. Na ocasião da descoberta, o Brasil era povoado por nações pertencentes a uma raça, que conquistara o país havia muito tempo, e expulsara os dominadores. Os cronistas ordinariamente designavam esta raça pelo nome Tupi mas esta denominação não era usada senão por algumas nações. Entendemos que a melhor designação que se lhe podia dar era a da língua geral que falavam e naturalmente lembrava o nome primitivo da grande nação.”
         A edição que eu li tem introdução e notas de Manuel Cavalcanti Proença, escritor e crítico literário. E também o prefácio escrito por Machado de Assis para uma edição que sairia em 1887, cerca de dez anos após a morte de José de Alencar, mas que acabou não sendo publicada. Eu destaquei um trecho desse prefácio, que eu considero muito interessante, mais abaixo.
“O Guarani” foi adaptado para a ópera, por Carlos Gomes, em 1870, que serve, também, de abertura  do programa de rádio oficial do governo federal ‘A Voz do Brasil’, exibido diariamente de forma obrigatória em todo o país.  E teve adaptações para o cinema, a televisão e histórias em quadrinhos.  fr

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