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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Em prefácio, Machado de Assis conta sua amizade e admiração a José de Alencar

Prefácio de Machado de Assis:

“(...) Não pude reler este livro, sem recordar e comparar a primeira fase da vida do autor com a segunda. 1856 e 1876 são duas almas da mesma pessoa. A primeira data é a do período inicial da produção, quando a obra paga o esforço, e a imaginação não cuida mais que de florir, sem curar dos frutos nem de quem lh’os apanhe. Na segunda, estava desenganado. Descontada a vida íntima, os seus últimos tempos foram de misantropo. Era o que ressumbrava dos escritos e do aspecto do homem. Lembram-me ainda algumas manhãs, quando ia achá-lo nas alamedas solitárias do Passeio Público, andando e meditando, e punha-me a andar com ele, e a escutar-lhe a palavra doente, sem vibração de esperanças, nem já de saudades. Sentia o pior que pôde sentir o orgulho de um grande engenho: a indiferença pública, depois da aclamação pública. Começara como Voltaire para acabar como Rosseau.”

         (...)

“Estes e outros sinais dos tempos tinham-lhe azedado a alma. O echo da quadra ruidosa vinha contrastar com o atual silêncio; não achava a fidelidade da admiração. Acrescia a política, em que tão rápido se elevou como caiu; e donde trouxe a primeira gota de amargor.”

         (...)

“Entretanto, é certo que a política foi uma de suas ambições, senão por si mesmo, ao menos pelo relevo que dão as altas funções do Estado. A política tomou-o em sua nave de ouro; fel-o polemista ardente e brilhante, e levantou-o logo ao leme do governo. Não faltava a Alencar mais que uma faculdade parlamentar, a eloquência. Não possuía a eloquência, antes parecia ter em si todas as qualidades que lhe eram contrárias; mas, fez-se orador parlamentar, com esforço, desde que viu que era preciso. Compreendera que, sem a oratória, tinha de ficar na meia obscuridade. Se o talento da palavra é a primeira condição do parlamento, no dizer de Macaulay, - que não escreveu essa espécie de truísmo, suponho, senão para acrescentar sarcasticamente que a oratória tem a vantagem de dispensar qualquer outra faculdade, e pode muita vez cobrir a ignorância, a fraqueza, a temeridade e os mais graves e fatais erros, - sabemos que, para o nosso Alencar, como para os melhores, era um talento complementar, não substitutivo. Deu com ele algumas batalhas duras contra adversários de primeira ordem. Mas tudo isso foi rápido. Teve os gozos intensos da política, não os teve duradouros. As letras, posto que mais gratas que ela, apenas o consolaram; já lhes não achou o sabor primitivo. Voltou a elas inteiramente, mas solitário e desenganado.

A morte veio tomá-lo depressa. Jamais me esqueceu a impressão que recebi quando dei com o cadáver de Alencar no alto da eça, prestes a ser transferido para o cemitério. O homem estava ligado aos anos das minhas estreias. Tinha-lhe afeto, conhecia-o desde o tempo em que ele ria, não me podia acostumar à ideia de que a trivialidade da morte houvesse desfeito esse artista fadado para distribuir a vida.(...)”

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