SEJA ÉTICO

SEJA ÉTICO: Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução do conteúdo deste blog com a devida citação de sua fonte.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Deus é brasileiro?

DEUS É BRASILEIRO?
Carlos Eduardo Novaes

            Dizem que há no ceú uma sala enorme chamada Departamento das Nações onde trabalham os santos que protegem os países aqui na Terra. Atualmente são 157 santos (um para cada país) que passam oito horas por dia atrás de suas respectivas mesas olhando para uma telinha e manipulando chaves, alavancas, botões, interruptores. À distância parece que estão todos se divertindo com “vídeo-games”. Na verdade, os santos se esforçam para proporcionar as melhores condições de vida aos seus países. Como em qualquer repartição pública, uns trabalham mais do que outros. São Ericsson, por exemplo, protetor da Dinamarca, se dá ao luxo de deixar sua mesa de controle no automático e vive papeando pelos corredores. Já Santo Ortega, que protege a Nicarágua, não tem tempo nem de ir ao banheiro.
            O funcionamento do departamento é simples. Sempre que surge um novo país, S. Pedro manda colocar mais uma mesa na sala, providencia as ligações, e convoca um santo para protegê-lo.
            - S. Benedito pega lá o Zimbábue.
            - Mas logo o Zimbábue, S. Pedro?
            - Você queria o quê? Começar pela Suécia?
            S. Pedro dá o santo de acordo com o país. Olha lá de cima se o país é pequeno, acidentado, pobre, escolhe um santo competente e trabalhador. Caso sinta que o país não precisa de muita proteção, convoca um santo menos talentoso. Quando o Canadá tornou-se independente, S. Pedro colocou um amigo seu, ex-companheiro de pescarias. O santo é da maior incompetência , mas para proteger o Canadá basta aparecer todos os dias e assinar o ponto. Assim foi com o Brasil. Um dia, em 1822, um funcionário acordou S. Pedro.
            - S. Pedro, surgiu um novo país na América Latina.
            São Pedro abriu a escotilha e olhou lá de cima. Ficou deslumbrado.
            - Puxa, isso não é um país. É quase um paraíso. Olha só as dimensões, a extensão da costa, as matas, a fauna, os rios, o clima...
            - E dizem que em se plantando tudo dá.
            - É fantástico! Vou deslocar um santo à toa. Um país desses não precisa de proteção.
            S. Pedro nomeou seu afilhado, S. Brás, para proteger o Brasil. S. Brás estava “encostado” no céu. Não conseguia trabalho. Já havia passado duas vezes pelo Depto. Das Nações. A primeira no século XIV quando, encarregado de proteger a França, provocou a Guerra dos Cem Anos. A segunda no início do século XIX. Foi tomar conta da Espanha e acabou vendendo a Flórida para os Estados Unidos. Mas S. Brás declarou ter aprendido muito com essas experiências. Iria proteger o Brasil como ninguém.
            - Por favor, S. Brás, não toque em nada em cima dessa mesa – disse S. Pedro. – O Brasil tem uma vocação natural para o sucesso. Deixa que ele vai sozinho.
            S. Pedro mostrava-se confiante no futuro do país. Principalmente porque nos corredores do céu corria o boato de que Deus era brasileiro.
            S. Brás era o santo mais folgado do departamento. Todos os dias entrava na sala, dava uma espiadinha na tela, comentava sobre a cordialidade do povo brasileiro, ligava o automático e saía para tomar café e conversar com os protetores da Suécia, Dinamarca, Noruega. Os colegas morriam de inveja de S. Brás, afinal, pelo que se dizia, protetor do país de Deus. Até que em meados de 64, uma noite, S. Brás foi chamado às pressas no Bar Celestial.
            - Acho bom você dar uma olhada no seu país. Tem muita gente reclamando lá embaixo.
            Na verdade, não era nada de tão especial. Mas como S. Brás ainda não tivera oportunidade de mostrar serviço, considerou a situação crítica. Olhou a mesa, meteu a mão numa alavanca e puxou-a. Embaixo da alavanca estava escrito: “golpe de estado”. Imediatamente uma luz vermelha começou a piscar, soou uma campainha e todos correram à mesa do Brasil. S. Pierre, protetor da França, ficou horrorizado.
            - S. Brás! Como é que você faz uma coisa dessas?
            S. Brás estava zonzo.
            - Eu... eu... eu... tenho que proteger o meu país.
            - Mas não é assim. Não vai dar certo. Nunca deu certo. Vá lá! Aperte o botão da “democracia”, rápido!
            S. Brás estava confuso no meio daquele tumulto. Meteu o dedo num botão. Era o botão da “Repressão”.
            - Esse não! – gritou S. Pierre – Aquele... aquele!
            - Qual? – S. Brás foi lá e apertou o botão da “Censura”.
            - Meu Deus! Você enlouqueceu, S. Brás?
            S. Brás já não sabia mais o que fazer. Abriu a válvula das “multinacionais”, puxou a alavanca do “arrocho salarial”, desligou o interruptor das “reivindicações operárias”. Desencadeou uma reação em cadeia. A mesa de controle tremia, apitava, acendia luzes. S. Brás estava mais perdido do que o Governo com a política econômica. Quanto mais mexia nos botões, mais bagunçava o país. Chegou a um ponto em que nada mais dava certo. Como na história do cobertor curto, quando cobria o Trabalhador, descobria o Empresário; quando cobria o Empresário, descobria o Banqueiro; quando cobria o Banqueiro, descobria o Exportador; quando cobria o Exportador, descobria o Agricultor; quando cobria o Agricultor, descobria o Consumidor...
            - Só há uma saída. Vamos falar com Deus!
            - Deus era a última esperança. Se Deus é realmente brasileiro, como se fala, Ele dará um jeito nessa situação. A comissão de santos entrou no gabinete de Deus e... surpresa: encontraram-No de quimono, comendo arroz de pauzinho. Todos viram, perplexos, que na verdade Deus era japonês. Claro que é! De outra forma como um país todo pedregoso, do tamanho do Ceará, entulhado de gente, derrotado na Segunda Guerra, com duas bombas atômicas nas costas, poderia ser uma das três maiores potências mundiais?
            Vocês acham que se Deus fosse brasileiro nós teríamos uma inflação de três dígitos? Um déficit público de trilhões? Teríamos que mendigar dinheiro pelo mundo afora? Então, por favor, paremos definitivamente com essa história de que Deus é brasileiro e tratemos de nos contentar com S. Brás, que, continua lá na mesa de controle fazendo tudo para proteger o país.

Nenhum comentário: