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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Dica de livro: "Triste fim de Policarpo Quaresma"

“Triste fim de Policarpo Quaresma”, Lima Barreto, São Paulo, editora Klick, 1997, 194 páginas (Coleção Livros O Globo, vol. 12). 
Aviso: O texto a seguir contém revelações sobre o enredo do livro.
     Policarpo Quaresma é um nacionalista exagerado, que exalta as qualidades do Brasil, e que considera o país destinado ao desenvolvimento por suas incontáveis qualidades e potenciais. Estudioso sobre as coisas brasileiras, procura ao longo da vida contribuir para a solução dos problemas que emperram o sucesso do Brasil. Homem de hábitos regrados, ele é funcionário público do Arsenal da Guerra e mora apenas com a irmã mais velha. 
     “Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa.” 
     Com o tempo, esse sentimento de amor ao país dominou a sua personalidade, tornando-se uma ideia fixa. Estudou o tupi-guarani e fez um requerimento à Câmara dos Deputados para que o idioma substituísse o Português, sendo motivo de ridicularização pelos jornais da cidade do Rio de Janeiro. A situação piorou quando traduziu um ofício para o tupi-guarani e, por descuido, ele foi parar na mesa do diretor, que o assinou sem ler e o enviou ao ministério, onde foi devolvido por não estar no idioma pátrio. 
     A confusão acabou por resultar na suspensão de Policarpo Quaresma, e no seu desequilíbrio emocional, fazendo com que ele fosse parar em um hospício durante alguns meses. Desacreditado, foi obrigado a se aposentar. Resolveu mudar-se para um sítio no interior, onde passou a investir na plantação de frutas e legumes. A sua inabilidade em lidar com as pessoas, e o seu desinteresse pela política partidária o colocou no fogo cruzado entre lideranças que disputavam o seu apoio para as eleições da região. Mais uma decepção. 
     Em 1892, durante a Segunda Revolta da Armada, contra o governo de Floriano Peixoto, Policarpo procurou o presidente para entregar-lhe um estudo voltado para a melhoria dos resultados da agricultura. Floriano não demonstrou interesse. Nacionalista, Policarpo Quaresma acabou por se integrar em um batalhão contra os revoltosos, incorporado como major. A experiência militar fez com que ele se decepcionasse com as pessoas, mais preocupadas com os seus interesses individuais do que com os destinos da nação. 
     Após o fim da Revolta, ele presenciou o envio de presos para serem executados, sem julgamento. Inconformado, escreveu ao presidente denunciando o ocorrido, mas, como a ordem havia sido do próprio, Quaresma também foi preso, tendo o mesmo destino dos revoltosos derrotados. Percebeu que dedicara a vida a amar o seu país, não conseguindo mudar a realidade, e fora derrotado por aqueles que só desejavam se aproveitar do Brasil. 
     “Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a Pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. E o que não deixara de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara – todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentara. 
     Desde dezoito anos que o tal patriotismo o absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi, do folklore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma! 
     O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções.” 
     O texto foi publicado inicialmente em forma de folhetim, em 1911, no Jornal do Commercio, e, como livro, em 1915, pago pelo próprio autor. Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) teve uma extensa produção jornalística e literária, a maior parte reunida e publicada após sua morte, resultado do trabalho de pesquisadores. Lima Barreto apresentou a sua candidatura à ABL (Academia Brasileira de Letras) por três vezes, sem sucesso. 
     E, assim como Policarpo Quaresma, também foi funcionário público; o seu pai teve problemas mentais e ele próprio foi internado em um hospício. Levou uma vida boemia, com problemas com o excesso de bebida, morrendo com apenas 41 anos, no bairro de Todos os Santos, onde eu também morei por alguns anos. fr

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