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quinta-feira, 27 de maio de 2021

"Dona Flor e seus dois maridos", Jorge Amado

“Dona Flor e seus dois maridos”
, Jorge Amado, Rio de Janeiro, editora Record, s/ano, 398 páginas (Coleção Mestres da Literatura Contemporânea, vol. 1).
      Este é o primeiro livro de uma coleção que eu tenho já há alguns anos, e este ano resolvi ler todos os seus títulos na sequência de sua numeração. A coleção foi lançada nos anos 1990, e eu comprei os seus primeiros 20 números, decidindo não dar continuidade. Pesquisando na internet, vi que ela tem, pelo menos, 100 números.
      “Dona Flor e seus dois maridos” é uma obra do chamado Realismo Fantástico, em que acontecimentos verossímeis e outros distantes da realidade convivem no desenvolvimento da narrativa. “A Relíquia”, de Eça de Queirós, que eu li e do qual já escrevi no meu blog, é outro exemplo desse estilo. O livro do escrito baiano Jorge Amado (1912-2001) conta a história de Florípedes Paiva, uma jovem que contraria a mãe e casa-se com o malandro Waldomiro dos Santos Guimarães, o Vadinho (com ‘V’ mesmo).
      A mãe de Flor, de convivência difícil com todos, queria que a filha se casasse com um homem rico que desse à filha, e a ela própria, uma vida de muito conforto e prazeres. Vadinho, no entanto, era irresponsável, não gostava de trabalhar, namorador e viciado em jogos de azar. Mesmo com tantos defeitos, Flor saiu de casa e aceitou casar-se com ele. Em um domingo de Carnaval, Vadinho morreu enquanto seguia um bloco na rua, vestido de baiana, vítima de sua vida descontrolada, de muita bebida, tabaco, noites sem dormir, na farra, e má alimentação.
      “ali estava o laudo dos doutores da Faculdade: era um homem condenado, fígado imprestável, rins estrompados, coração aos pandarecos. Podia morrer a qualquer momento, como morrera. Assim, de repente. A cachaça, as noites nos cassinos, a esbórnia, a correria doida à cata de dinheiro para o jogo haviam arruinado aquele organismo belo e forte, deixando-lhe apenas a aparência. Sim, porque, olhando-o só pelo lado de fora, quem o julgaria tão implacavelmente liquidado?”
      Viúva, dona Flor passa um ano de luto, mesmo ouvindo da mãe e de suas amigas que a morte de Vadinho dava a ela a oportunidade de começar a viver em paz. Em seus sete anos de casada, dona Flor passou noites sem dormir preocupada com a ausência do marido, que chegava a ficar dias sem retornar para casa, jogando e se divertindo com outras mulheres. Para jogar, Vadinho chegava a bater na esposa e lhe roubar o seu dinheiro, conseguido com as aulas de culinária que ela dava em casa. Dona Flor suportava tudo por amar Vadinho.
      Ainda jovem, com 29 anos, dona Flor sentia desejos, e correspondeu ao interesse do farmacêutico Teodoro Madureira, de seus 40 anos, com quem se casou. O novo marido era sério, trabalhador, responsável, de hábitos regulares e respeitado por todos, não era rico, mas tinha boa situação financeira, ou seja, rigorosamente o oposto do primeiro. Dona Flor amava Teodoro, mas a vida de rotina, tão diferente da que tinha com Vadinho, a deixou insatisfeita, e com saudades dele.
      “o tempo passa e o doutor não muda, a mesma polidez, o mesmo sistema, o mesmo trato, sempre igual, um dia atrás do outro. Posso dizer o que vai acontecer a cada instante, no passar das horas, e sei cada palavra, porque hoje é igual a ontem.”
      De tanto pensar e relembrar de Vadinho, um dia dona Flor o encontrou na cama do casal, totalmente nu, igualzinho como sempre foi, dizendo ter voltado porque ela o chamou: “E hoje me chamou tanto e tanto que eu vim...”. Ninguém podia ver ou ouvir Vadinho, somente ela. E dona Flor constatou que, mesmo morto, Vadinho continuava o mesmo, sempre farreando e querendo que ela se entregasse novamente para ele.
      Não desejando trair o novo marido, dona Flor chegou a pedir a uma amiga que encomendasse ao seu babalaô, o guia espiritual do Candomblé, para levar Vadinho de volta de onde viera. Mas, ela acabou por não resistir mais ao antigo companheiro, e mudou de opinião. O problema é que o ritual ao babalaô já tinha sido feito, e dona Flor não podia mais impedi-lo, e Vadinho sentiu estar sendo levado de volta.
      “Foi quando uma figura atravessou os ares, e, rompendo os caminhos mais fechados, venceu a distância e a hipocrisia – um pensamento livre de qualquer peia: dona Flor, nuinha em pelo. Seu ai de amor cobriu o grito de morte de Yansã. Na hora derradeira, quando Exu já rolava pelo monte e um poeta compunha o epitáfio de Vadinho. Uma fogueira se acendeu na terra e o povo queimou o tempo da mentira.”
      Vadinho permaneceu no mundo dos vivos, e com dona Flor, que passou a viver em companhia de seus dois maridos, que a completavam: a segurança e a fidelidade que Teodoro lhe proporcionava, e a sensualidade de Vadinho. “E aqui se dá por finda a história de dona Flor e de seus dois maridos, descrita em seus detalhes e em seus mistérios, clara e obscura como a vida. Tudo isso aconteceu, acredite quem quiser. Passou-se na Bahia, onde essas e outras mágicas sucedem sem a ninguém causar espanto.”
      “Dona Flor e seus dois maridos” foi lançado em 1966, e já foi traduzido para mais de 30 idiomas, em mais de 50 países. O sucesso do livro levou a várias adaptações para o teatro, televisão e cinema. Jorge Amado ocupou a cadeira nº 23 da ABL (Academia Brasileira de Letras), desde 1961. fr

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