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sexta-feira, 9 de julho de 2021

Dica de livro: "O nome da rosa"

“O nome da rosa”
, Umberto Eco, tradução de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Ereitas de Andrade; Rio de Janeiro, editora Record, s/ano, 571 páginas (Coleção Mestres da Literatura Contemporânea, vol. 4).

        Eu conclui a leitura de mais um livro. Lançado em 1980, este foi o primeiro romance do italiano Umberto Eco (1932-2016), professor de Semiótica, filósofo, linguista e bibliófilo. O autor explica logo no início como surgiu a ideia de escrever o livro. Em agosto de 1968, em Praga, pouco antes da invasão soviética, ele encontrou um livro de “um certo abade Vallet”, na verdade a tradução para o francês que ele fez de um manuscrito em latim do século 14, escrito por um noviço de nome Adson, no mosteiro de Melk, na Áustria.
        Umberto Eco ficou fascinado com a história, e traduziu o texto à mão em vários cadernos; o original do livro acabou se perdendo, ficando com um conhecido. Eco passou a pesquisar sobre o assunto. O noviço Adso narra, provavelmente no final do século 14, quando já estava bem idoso, acontecimentos passados no final de novembro de 1327,
        “Pensando bem, bastante escassas eram as razões que pudessem inclinar-me a publicar a minha versão italiana de uma obscura versão neogótica francesa de uma edição latina seiscentista de uma obra escrita em latim por um monge germânico em fins do século XIV.”, reflete o autor. Mas, após pouco mais de uma década após ter encontrado o livro de Vallet, decidiu-se por desenvolver a sua história, baseada nos relatos de Adso de Melk.
        O livro mescla personagens fictícios com personalidades históricas, e faz diversas citações em latim, mas sem tradução. É narrado em primeira pessoa pelo monge Adson, já idoso, em sua cela no mosteiro de Melk, e conta os acontecimentos que viveu e presenciou no final de 1327, quando ainda era um adolescente noviço. Adso era discípulo e escrivão do frei franciscano Guilherme de Baskerville, um ex-inquisidor inglês que foi incumbido pelo imperador Ludovico de investigar a morte suspeita de um monge em uma abadia na Itália, cujo nome Adso prefere não informar.
        Frei Guilherme era bastante experiente e perspicaz, o que lhe envaidecia muito, descrito por Adson como já “muito velho”, com os seus 50 anos prováveis, o que era uma idade bem adiantada para a Idade Média. A investigação ocorre dentro de um contexto histórico, que precisa ser entendido pelo leitor, basta uma pesquisa rápida sobre os personagens envolvidos. E se o leitor gostar de História, como eu, fica tudo mais prazeroso.
        Em 1327, havia uma grande disputa entre o imperador Ludovico, Luís 4 do Sacro Império Romano-Germânico, e o papa francês João 22, que decidiu governar em Avignon, em seu país natal, não em Roma. Ludovico governava uma grande região da Europa, que incluía a Itália. João 22 condenava o princípio da pobreza evangélica, defendida pelos Franciscanos, por acreditar que isso enfraqueceria a Igreja diante dos mais poderosos.
        O papa perseguiu vários grupos franciscanos, considerados hereges. E justamente nesse clima, foi realizado um encontro na abadia entre representantes do papa e do imperador, inimigas por suas interpretações opostas do Evangelho. Não houve nenhum resultado devido às mortes ocorridas naqueles dias, que levaram a um julgamento inquistório sobre um pretenso culpado, que, na realidade, não era o verdadeiro criminoso responsável pelas mortes.
        Á medida em que frei Guilherme interpelava os monges da abadia convenceu-se que havia um grande mistério por trás da morte que deveria investigar. E esse mistério tinha a ver com a biblioteca do mosteiro, a de maior acervo cristão à época, mas também com livros vistos como hereges, cujo acesso ele e ninguém mais estava autorizado, somente o bibliotecário e o seu ajudante. Os livros somente podiam ser consultados com autorização do bibliotecário, ou, em alguns casos, do próprio abade.
        Naquele tempo, anterior à invenção da Imprensa pelo alemão Johannes Gutenberg, que somente viria ocorrer no século seguinte, os livros precisavam ser manuscritos, e para se ter uma cópia de alguma obra, deveria ser exaustivamente transcrito. Frei Guilherme e Adso descobrem relacionamentos proibidos entre monges e entre estes com mulheres da localidade, além de rivalidades entre os religiosos.
        O mistério torna-se ainda maior durante os sete dias em que os dois estiveram na abadia com a ocorrência de mais mortes. E tudo levava a um livro que foi roubado da biblioteca e alguém queria retomá-lo para que não fosse lido por mais ninguém. Na Idade Média, muitos religiosos defendiam que o riso deveria ser combatido, por ser algo associado ao maligno, e que as pessoas precisavam valorizar comportamentos mais austeros.
        Aqueles que tinham essa convicção procuravam justificá-la com a discutível crença de que Jesus Cristo nunca tinha rido, ou, pelo menos, não havia registro disso nos textos bíblicos. Jorge de Burgos, um ancião cego, que conhecia todos os livros do acervo da biblioteca por ter exercido essa função anos antes, quando podia enxergar, era um dos que acreditavam nessa regra:
        “As comédias eram escritas pelos pagãos para levar os espectadores ao riso, e nisso faziam mal. Jesus Nosso Senhor nunca contou comédias nem fábulas, mas apenas límpidas parábolas que alegoricamente nos instruem sobre como alcançar o paraíso, e assim seja. (...) O riso sacode o corpo, deforma as linhas do rosto, torna o homem semelhante ao macaco.”
        A seguir, vou adiantar alguns acontecimentos do livro, portanto, quem não desejar ter conhecimento antecipado, precisa decidir se quer continuar lendo o meu texto ou não.
        Frei Guilherme e Adso acabam por descobrir o responsável pelas mortes na abadia, e a razão delas terem acontecido. Jorge de Burgos protegeu durante anos a única cópia do segundo livro da Poética, de Aristóteles, considerado perdido, e no qual o filósofo trataria da Comédia. De fato, o filósofo escreveu um livro com o título “Poética”, sobre a poesia e a arte em geral, e acredita-se que tenha existido um segundo livro, ou seja, uma continuação, da qual ele trataria da Comédia, mas este nunca foi encontrado. A intenção de Jorge de Burgos era impedir o que ele considerava a desvirtuação da ordem, com a legitimação do riso, em que as pessoas do povo não temessem mais os seus líderes.
        “O riso distrai, por alguns instantes, o aldeão do medo. Mas a lei é imposta pelo medo, cujo nome verdadeiro é temor a Deus. E deste livro poderia partir a fagulha luciferina que atearia no mundo inteiro um novo incêndio: e o riso seria designado como arte nova, desconhecida até de Prometeu, para anular o medo. (...) se o riso é o deleite da plebe, que a licença da plebe seja refreada e humilhada, e amedrontada com a severidade. (...) Os simples não devem falar. Esse livro teria justificado a ideia de que a língua dos simples é portadora de alguma sabedoria. Era preciso impedir isso, foi o que fiz.”
        Descoberto, o monge Jorge de Burgos passou a rasgar o livro, a fim de evitar que ele pudesse ser lido por mais alguém. Frei Guilherme e Adson tentaram impedi-lo, mas ele conseguiu agarrar o lume (artefato a óleo utilizado para iluminação à época) e jogá-lo nos livros, dando início a um incêndio. O livro de Aristóteles, a biblioteca e praticamente todos os edifícios da abadia foram destruídos, assim como o monge morreu.
        Jorge de Burgos foi o responsável pela morte do abade, ao prendê-lo em uma passagem da biblioteca e ele morrer sem ar, as demais mortes estavam ligadas ao interesse dos monges em conhecer o conteúdo do livro misterioso. Jorge manipulou outros monges, de acordo com os seus interesses para que o livro permanecesse inacessível. “O nome da rosa” era uma expressão usada durante a Idade Média para representar o enorme poder das palavras. O livro foi adaptado para o cinema em 1986, com a direção do francês Jean-Jacques Annaud, e Sean Connery como o frei Guilherme. fr 

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