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segunda-feira, 9 de agosto de 2021

"O perfume", Patrick Süskind

“O perfume”
, Patrick Süskind, tradução de Flavio R. Kothe; Rio de Janeiro, editora Record, s/ano, 255 páginas (Coleção Mestres da Literatura Contemporânea, vol. 7).
        Mais um livro da coleção que eu terminei de ler. O autor é alemão, e o livro foi lançado em 1985. A história se passa na França, no século 18. Jean-Baptiste Grenouille nasceu no dia 17 de julho de 1738, “no lugar mais fedorento de todo o reino”, uma feira, onde antes existiu um cemitério. Mais exatamente em uma peixaria, onde a jovem mãe trabalhava.
        Os quatro filhos que a mãe de Grenouille tivera antes, no mesmo local, tinham nascido mortos ou semimortos, e foram recolhidos junto aos restos de peixes. Grenouille, no entanto, sobreviveu, sendo salvo, e a mãe foi condenada por múltiplo infanticídio, sendo decapitada em praça pública.
       A criança nasceu com uma característica rara, ela não tinha nenhum cheiro próprio, o que despertava medo nas amas contratadas pelo governo para cuidar dela. À época, “Paris produzia mais de dez mil enjeitados por ano, bastardos e órfãos”. A cidade era a mais populosa do mundo. O menino tinha, ainda, a capacidade de sentir os mais diferentes odores, e identificá-los a longas distâncias, nunca mais se esquecendo deles, em uma espécie de arquivo olfativo. Menos o seu próprio.
        Grenouille cresceu como um sobrevivente, sem receber e dar amor; comendo e bebendo os piores alimentos, mesmo estragados; e resistindo a doenças e acidentes. Carregou, por conta disso, feridas, cicatrizes e um pé “meio aleijado”, que o fazia capengar. “Era duro como uma bactéria resistente e autossuficiente como um carrapato colado numa árvore, que vive de uma gotinha de sangue sugada no ano passado”.
        Tornou-se uma pessoa fechada, que mal conseguia falar, sem amigos e sempre tratado como um inferior. Mas tinha a incomum capacidade de localizar coisas e pessoas, mesmo a grandes distâncias; ele as farejava. Grenouille tinha o objetivo de conhecer todos os odores existentes, bons ou ruins, não fazia distinção.
        No dia em que Paris comemorava mais um ano da coroação do rei, Grenouille conseguiu distinguir um aroma especial, a quase dois quilômetros de onde estava, e o farejou até encontrá-lo. Ele vinha de uma adolescente em uma casa. “Centenas de milhares de odores pareciam não ter mais nenhum valor diante desse único aroma. Este um era o supremo princípio, de acordo com que os demais tinham de se ordenar. Era a pura beleza, beleza pura. Para Grenouille era certo que, sem a posse desse aroma, a sua vida não teria mais sentido.” A jovem foi a sua primeira vítima. Ele a matou e coletou a sua flagrância.
        Em sua busca pelos aromas mais raros, conheceu o mundo dos perfumes, e o ofício de criar odores utilizando as matérias-primas e técnicas próprias, mesmo não precisando delas, já que usava os seus instintos naturais. Passou a trabalhar com um perfumista famoso, mas decadente, criando os melhores perfumes da Europa durante os três anos em que trabalhou para ele.
        Depois, manteve-se recluso durante sete anos em uma montanha localizada em Auvergne, região central do país, distante de tudo. Grenouille odiava as pessoas. Quando resolveu deixar o local, foi para Montpellier, ao sul da França, onde despertou a curiosidade científica de um marquês, que se propôs a recuperar sua condição humana. A aparência física e o estado em que Grenouille estava após sete anos longe das pessoas fizeram-no parecer um homem das cavernas.
        Ele conseguiu acesso ao local de trabalho do principal perfumista da cidade, onde conseguiu desenvolver um odor humano básico, que usava quando desejava ser notado. Sem ele, as pessoas mal percebiam a sua presença, mas ao usá-lo as pessoas até interagiam com ele, sem demonstrar qualquer tipo de repugnância, como de costume. Grenouille desenvolveu, ainda, um outro perfume, capaz de fazer com que todos o amassem. Assim, ganhou autoconfiança.
        Deixou Montpellier e partiu para Grasse, considerada a metrópole da produção e comercialização de substâncias aromáticas, onde procurou aprimorar ainda mais os seus conhecimentos. Passou a criar diferentes perfumes para diferentes situações: quando desejasse ser rapidamente atendido, quando precisasse despertar compaixão das pessoas, quando quisesse afastá-las e muitas outras. Grenouille iniciou experiências com animais, depois com seres humanos.
        “A fragrância das pessoas em si era, para ele, indiferente. Tratava-se de uma fragrância que ele podia imitar suficientemente bem com substitutos. O que ambicionava era a fragrância de certas pessoas: daquelas, extremamente raras, que inspiram amor. Essas eram as suas vítimas.”
        Obcecado, chegou a matar mais 25 moças, todas muito novas, mas já crescidas, e virgens, para criar perfumes “de gente”. As mortes apavoraram a população da cidade. Grenouille foi preso e condenado à morte, mas, usando o seu perfume especial, conseguiu fazer com que todos sentissem compaixão por ele e o seu processo foi arquivado, e outra pessoa foi presa em seu lugar e executada. Partiu de volta para Paris.
        “Caso quisesse, poderia em Paris deixar-se festejar não só por dez mil, mas por centenas de milhares; ou ir passar em Versalhes para que o rei lhe beijasse os pés; escrever uma carta perfumada ao papa e revelar-se como o novo Messias; em Notre-Dame, diante de reis e imperadores, deixar-se ungir como supremo monarca, sim, até mesmo como Deus sobre a terra – caso alguém ainda se deixasse ungir como Deus...”
        Apesar de todo esse poder, em Paris dirigiu-se à rua do cemitério, à meia-noite, quando somente as piores pessoas estavam na rua: “ladrões, assassinos, esfaqueadores, prostitutas, desertores, jovens desesperados”. E, cansado de sua existência, resolveu usar todo o conteúdo do frasco, quando bastava uma gota para obter o resultado desejado. O exagero provocou nas pessoas uma paixão tão descontrolada que todos desejaram ter um pedaço daquele ser tão carismático e especial.
        “Arrancaram-lhe as roupas, os cabelos, a pele do corpo, estraçalharam-no, enfiaram as suas unhas e os seus dentes em sua carne, caíram sobre ele como hienas.” Grenouille foi literalmente devorado por aquelas pessoas, que não conseguiram controlar o seu amor por ele. Fica o registro da minha leitura. fr 

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