SEJA ÉTICO

SEJA ÉTICO: Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução do conteúdo deste blog com a devida citação de sua fonte.

sábado, 11 de setembro de 2021

Dica de livro: "Agosto", Rubem Fonseca

“Agosto”
, Rubem Fonseca; Rio de Janeiro, editora Record, s/ano, 349 páginas (Coleção Mestres da Literatura Contemporânea, vol. 11).
       Ótimo livro. Eu já o li e escrevi sobre ele aqui no meu blog há alguns anos, e reli por eu estar lendo a coleção “Mestres da Literatura Contemporânea”. Lançado em 1990, ficção e fatos históricos são misturados no livro, com dois crimes ocorridos no mês de agosto de 1954 e que se relacionam à realidade vivida no Brasil à época. Era um período de muita corrupção e instabilidade política (parece que o país nunca conseguiu livrar-se desses males). Rubem Fonseca (1925-2020) foi comissário de polícia e é um escritor premiado diversas vezes.
      Paulo Machado Gomes Aguiar, um poderoso empresário com relacionamento com pessoas influentes no governo, é encontrado morto em seu apartamento no dia 1º. Na madrugada do dia 5, um atentado ao jornalista Carlos Lacerda deixa morto um major da Aeronáutica, seu segurança. Ferido no pé, Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa e principal adversário do presidente Getúlio Vargas, acusou o deputado Lutero Vargas, filho do chefe de governo, de ter sido o mandante do seu assassinato.
       As investigações do primeiro crime ficaram sob a responsabilidade do comissário Alberto Mattos, um dos raros policiais honestos e que não recebiam propina. Amante de ópera e vivendo modestamente em um pequeno apartamento no bairro do Flamengo, Mattos sofria com constantes dores devido a uma úlcera no estômago. Apesar de uma rotina de muito trabalho, ele dividia as atenções com duas mulheres que o amavam, e estavam ligadas a homens poderosos, envolvidos na corrupção do país.
      Salete era amante de Luiz Magalhães, funcionário do governo que intermediava negócios desonestos e superfaturados. E Alice, uma antiga namorada, casada com o empresário Pedro Lomagno, de quem se separou, porque queria ficar com o policial. Paulo Machado era o principal acionista da empresa de importação e exportação Cemtex, que conseguiu uma licença fraudulenta através de contatos com o senador Vitor Freitas e subornos ao tenente Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas. A sua morte foi encomendada pela esposa, Luciana, e o amante dela, Pedro Lomagno, um dos sócios da Cemtex.
      O atentado contra Carlos Lacerda foi encomendado por Gregório Fortunato a Climério Euribes de Almeida, seu compadre e integrante da guarda pessoal do presidente, que ficou encarregado de encontrar alguém para fazer o serviço. Gregório não queria ninguém ligado ao governo. A pessoa escolhida foi Alcino, um carpinteiro desempregado, que já tinha falhado antes ao tentar matar um suposto amante da esposa de um conhecido. Foi prometido a ele dez mil cruzeiros e um emprego de investigador no DFSP (Departamento Federal de Segurança Pública). E a fuga seria no carro de um taxista que fazia ponto próximo ao Palácio do Catete, Nelson Raimundo de Souza.
      E justamente devido a tanto amadorismo, o atentado não obtém o resultado pretendido. Alcino abordou Lacerda no momento em que ele, o filho de 15 anos e o major Rubens Florentino Vaz, que fazia sua segurança, chegavam já de madrugada no prédio do jornalista, na Rua Tonelero, em Copacabana. Alcino não mata Lacerda, como pretendido, mas o major, acertando o jornalista superficialmente no pé e um guarda que estava próximo ao local, que também sobrevive. Na fuga, o carro do taxista recebeu um tiro do guarda, que consegue anotar a placa do carro do taxista.
      “Lacerda se despediu do major e caminhou com o filho para a porta da garagem do edifício. Vaz foi em direção ao carro. Alcino atravessou a rua e atirou em Lacerda, que correu para o interior da garagem. O estrondo do revólver ao disparar surpreendeu Alcino, que por instantes ficou sem saber o que fazer. Notou então que o major se aproximara e agarrava sua arma. Novamente Alcino acionou o gatilho. O major continuou agarrando o cano do revólver até que Alcino, num repelão, soltou a arma dos dedos que a prendiam, caindo com o esforço que fizera. Viu que o major caía também, para o outro lado. Alcino levantou-se e atirou novamente, sem direção. Ouviu estampidos de arma de fogo e fugiu para onde estava o táxi de Nelson. Um guarda surgiu, correndo e atirando, ‘Pare! É a polícia!’. Alcino atirou no guarda, que caiu. Entrou no carro, que estava com o motor ligado.” (página 72)
      Com medo de ser identificado pelo guarda, o taxista entregou-se à polícia e inicialmente alegou ter apenas pego o assassino como passageiro, mas acabou confessando e dando o nome de Climério. As investigações identificaram os demais participantes no atentado, que foram presos, sendo os principais Alcino, Gregório Fortunato e Climério. Lacerda e os partidos de oposição acusaram o deputado Lutero Vargas, o filho do presidente, como o mandante do atentado, e exigiram a renúncia de Getúlio, que negou ter tido conhecimento prévio da trama. Os militares endossaram a exigência.
      Getúlio Vargas perdeu o apoio da maioria dos seus ministros, principalmente os militares, e o país viveu forte pressão feita pelos partidos de oposição, parte da imprensa e de empresários, que exigiam a sua renúncia. O presidente não aceitou: “Não renunciarei. Fui eleito pelo povo e não posso sair enxotado pelas Forças Armadas. Só sairei daqui morto.” Em uma reunião que iniciou já nas primeiras horas do dia 24 de agosto no Palácio do Catete, os ministros disseram a Getúlio que a solução diante da crise seria a renúncia, alguns estavam indecisos e poucos defenderam a resistência, armada se necessário.
      Como uma alternativa, foi sugerido o licenciamento do presidente até a conclusão do inquérito militar que investigava o atentado da Rua Tonelero. Getúlio respondeu: “Se os ministros militares me garantem que as instituições serão mantidas, eu me licenciarei”. E encerrou a reunião, indo dormir. De manhã, Getúlio recebeu a visita do irmão, Benjamim Vargas, que o informava que os ministros militares encaravam a licença como uma renúncia. Depois disse ao camareiro que não desejava fazer a barba, ficando sozinho em seu quarto.
      “Deitado na cama, com os olhos abertos sem ver, Vargas imaginou como sua morte seria recebida pelos seus inimigos. Sua carta, que fora escrita para se despedir do governo e não da vida, rascunhada dias antes a seu pedido por Maciel Filho, seu amigo e auxiliar desde os anos 30, podia servir também, e até melhor, para um adeus definitivo. A carta, mal batida a máquina, estava sobre o tampo de mármore da pequena cômoda do quarto, ao lado da porta do banheiro. (...) Apanhou o revólver na gaveta da cômoda e deitou-se na cama. Encostou o cano do revólver no lado esquerdo do peito e apertou o gatilho.” (página 325) Assumiu o vice-presidente, Café Filho.
      Antônio Mattos era visto com desconfiança pelos colegas por não receber propina. Ele chegou a prender Ilídio, um dos principais bicheiros do Rio de Janeiro, que passou a querer vingança. As suas investigações sobre o assassinato do empresário Paulo Aguiar o levaram até Chicão, um ex-combatente da FEB (Força Expedicionária Brasileira), que lutou na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Chicão era amigo e instrutor de boxe de Pedro Lomagno, que o contratou para matar Paulo Aguiar. Ele esqueceu o seu anel com a inicial F do seu nome na casa da vítima, e foi visto por uma testemunha.
      Através de contatos que tinha na delegacia onde Mattos trabalhava, Lomagno soube que o comissário estava prestes a descobrir o seu envolvimento no crime, e mandou Chicão matá-lo. Salete, que estava em seu apartamento, também foi executada. Logo em seguida, um outro assassino, contratado a mando do senador Vitor Freitas para matar Mattos, constatou ter chegado tarde, mas não deixou de receber pelo serviço feito por outro. Gostei do livro, e para quem gosta de História, como eu, fica a minha dica. “Agosto” teve um ótima adaptação para a televisão, em uma minisséria da Rede Globo. Em breve, eu comento. fr 

Nenhum comentário: