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terça-feira, 30 de novembro de 2021

Dica de leitura: "Gabriela, cravo e canela", Jorge Amado

“Gabriela, cravo e canela”
, Jorge Amado; Rio de Janeiro, editora Record, s/ano, 363 páginas (Coleção Mestres da Literatura Contemporânea, vol. 20).
       Eu terminei a leitura do último livro dos 20 que eu tenho da ‘Coleção Mestres da Literatura Contemporânea’, e é o livro do qual mais gostei de Jorge Amado, dos que eu li até hoje. A história mostra Ilhéus, e sua vizinha Itabuna, terra natal do autor, Jorge Amado (1912-2001), em 1925. Regiões de cultivo e exportação de cacau, que garantia um momento de enorme prosperidade, em que os coronéis enriqueciam ainda mais.
       Muitos moradores de localidades da Bahia e de outros estados, sofrendo com a seca, eram atraídos para esse oásis de desenvolvimento, buscando melhores condições de vida em Ilhéus. Mas, o que não mudava na mesma velocidade era a mentalidade machista, preconceituosa e autoritária das pessoas do lugar, onde ainda se resolvia os problemas com o recurso a jagunços:
   “Modificava-se a fisionomia da cidade, abriam-se ruas, importavam-se automóveis, construíam-se palacetes, rasgavam-se estradas, publicavam-se jornais, fundavam-se clubes, transformava-se Ilhéus. Mais lentamente porém evoluíam os costumes, os hábitos dos homens.”
       Deixando o Rio de Janeiro para esquecer o amor por sua cunhada, Raimundo Mendes Falcão, o Mundinho Falcão, chega à cidade, estabelecendo-se como exportador de cacau. Investindo em diferentes áreas e conseguindo melhorias para a cidade, incomodou os coronéis que estavam acostumados a mandar em Ilhéus. Ambicioso, ele aumentou a sua influência e o seu prestígio junto à população e entrou para a política, concorrendo a deputado federal, ameaçando tirar do comando da cidade o velho coronel Ramiro Bastos.
       A disputa política gerou uma divisão na cidade, em que muitos ansiavam por mudanças que acabassem de vez com a prática de atentados, intimidações e ameaças, mas outros ainda permaneciam apoiando os coronéis. Neste clima de tensão, a jovem Gabriela chega a Ilhéus, saindo do sertão sem perspectivas devido à seca. Apesar de seus 21 anos, ela chega sem documentos, sem nunca ter sido registrada em cartório e sequer sabendo sua data de nascimento. Dono de bar, o sírio Nacif a contrata para substituir a cozinheira antiga que o deixara.
       Gabriela foi contratada por Nacif para limpar e arrumar sua casa, e cozinhar para ele e para o seu bar. Logo, passaram a dividir a cama. Apaixonado, e preocupado em perder Gabriela diante do forte assédio dos homens, inclusive com ofertas de casa e dinheiro para roupas, Nacif casa-se com ela. Mas o casamento acabou por prejudicar a relação entre os dois. A jovem era simples e gostava de andar descalça, brincar na rua com as crianças, como uma delas. E Nacif queria transformá-la em algo que ela não era, uma senhora da sociedade.
       Os acontecimentos que despertam e mantém o interesse durante a leitura, em minha opinião, são justamente a disputa política às vésperas da eleição. E também os relacionamentos que giram em torno de mulheres ligadas aos coronéis, dispostos a limpar a sua honra com sangue; além da modernização do porto, de onde partia o cacau que impulsionava o progresso da cidade. O próprio autor, porém, deixa claro logo no início da obra que ele considerava a relação entre o comerciante sírio Nacif e a retirante Gabriela o assunto de maior destaque naquele ano:
       “Ninguém, no entanto, fala desse ano, da safra de 1925 à de 1926, como o ano do amor de Nacif e Gabriela, e, mesmo, quando se referem às peripécias do romance, não se dão conta de como, mais que qualquer outro acontecimento, foi a história dessa doida paixão o centro de toda a vida da cidade naquele tempo, quando o impetuoso progresso e as novidades da civilização transformavam a fisionomia de Ilhéus.”
       O livro poderia até ter tido outro título, relacionado às disputas e à realidade de Ilhéus no início do século passado. Um título que desse a importância ao que trata o livro na maioria de suas páginas. Mas Jorge Amado acertou em cheio, a meu ver, ao dar à Gabriela o nome do livro e a fazer com que ela despertasse o maior interesse do público leitor.
       A personagem passou a ser um dos mais marcantes da literatura nacional, e o livro ganhou adaptações para a televisão e cinema, com sucesso internacional. Foram feitas três telenovelas: em 1960, na extinta TV Tupi; e 1975 e 2012, na Rede Globo, com Sônia Braga e Juliana Paes, respectivamente, nos papéis principais. Sônia Braga, uma então jovem e desconhecida atriz, ganhou projeção mundial, passando a fazer filmes nos Estados Unidos.
       Por mais que no livro Gabriela não viva os momentos mais importantes da história narrada, ela acabou por se sobrepor a eles, passando a ser a mais lembrada pelos leitores. E, claro, mais ainda nas telenovelas, com a personagem interpretada por lindas atrizes. No cinema, filme de 1983, dirigido por Bruno Barreto, teve mais uma vez Sônia Braga no papel-título, com o ator italiano Marcello Mastroianni no papel de Nacif.
       No livro, Gabriela é descrita como uma mulata de olhos verdes, cor de canela e perfume de cravo, que encantava os homens. Ela não entendia porque Nacif tinha tantos ciúmes dela, já que considerava normal ele ter relações com outras mulheres no cabaré, e ela mesma sentia-se atraída por homens jovens e bonitos, mas amar, amava apenas Nacif. Gabriela não entendia porque ele quis tanto casar-se com ela.
       “Por que casara com ela? Era ruim ser casada, gostava não... Vestido bonito, o armário cheio. Sapato apertado, mais de três pares. Até joias lhe dava. Um anel valia dinheiro, dona Arminda soubera: custara quase dois contos de réis. Que ia fazer com esse mundo de coisas? Do que gostava, nada podia fazer... Roda na praça com Rosinha e Tuísca, não podia fazer. Ir ao bar, levando a marmita, não podia fazer. Rir para seu Tonico, pra Josué, pra seu Ari, seu Epaminondas? Não podia fazer. Andar descalça no passeio da casa, não podia fazer. Correr pela praia, todos os ventos em seus cabelos, descabelada, os pés dentro d’água? Não podia fazer. Rir quando tinha vontade, fosse onde fosse, na frente dos outros, não podia fazer. Dizer o que lhe vinha na boca, não podia fazer. Tudo quanto gostava, nada disso podia fazer. Era a senhora Saad. Podia não. Era ruim ser casada.”
       Após flagrar Gabriela na cama do casal com Tonico, um dos filhos do coronel Ramiro Bastos, e que se dizia seu amigo, Nacif a expulsa de casa. Contrariando a “lei” do lugar, o sírio não matou os dois, e, orientado por amigos, conseguiu a anulação do casamento, que durara apenas cinco meses, devido aos documentos que Gabriela tinha terem sido forjados para a sua união.
       Um tempo depois, quando novamente precisou de uma cozinheira, dessa vez para o restaurante que iria inaugurar com Mundinho Falcão, Nacif deixou o orgulho de lado e recontratou Gabriela. E, como antes, os dois voltaram a dividir a cama, mas, dessa vez, sem cobranças, expectativas e compromissos, como dois amantes somente. Na política, Ramiro Bastos morreu enquanto dormia, e Ilhéus elegeu Mundinho Falcão e outros políticos da oposição, acabando com o domínio dos coronéis.
       “Gabriela, cravo e canela” foi lançado em 1958, e traduzido para vários idiomas, além de receber importantes prêmios literários no Brasil. Jorge Amado graduou-se em Direito em 1935, no Rio de Janeiro, mas não exerceu a profissão. Foi eleito deputado federal constituinte por São Paulo, participando da elaboração da Constituição federal de 1946. Dois anos depois perdeu o seu mandato e teve que partir para o exílio, quando o PCB (Partido Comunista Brasileiro) foi cassado, e toda a sua bancada igualmente excluída. Em 1961, foi eleito para a cadeira nº 23 da ABL (Academia Brasileira de Letras). fr 

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