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terça-feira, 20 de agosto de 2019

"O professor e o demente"

“O professor e o demente: uma história de assassinato e loucura durante a elaboração do dicionário Oxford”, Simon Winchester; tradução de Flávia Villas-Boas, Rio de Janeiro, Record, 1999, 256 páginas.

Baseado em uma história real, o livro mostra o encontro de duas pessoas consideradas brilhantes, mas de personalidades e destinos bem distintos, ligadas pelo interesse comum das letras. Em 1879, o professor James Murray assumiu o ambicioso projeto de organizar o dicionário completo da língua inglesa para a Universidade de Oxford, iniciado 27 anos antes. Diante da dimensão do desafio, ele divulgou pelas livrarias inglesas uma convocação a quem se dispusesse a ajudar, selecionando e enviando vocábulos, com seus significados e registros mais antigos.
Um dos que se interessaram a ajudar foi o ex-capitão-cirurgião do Exército dos EUA, William Minor, que chegou a enviar milhares de palavras, com muita organização e um método de pesquisa próprio. Sua participação no trabalho destacou-se, por ser meticulosa e detalhista, sendo de enorme importância para Murray. Como Minor nunca comparecia aos eventos para os quais os principais colaboradores eram convidados, Murray resolveu, então, visitá-lo no endereço de suas correspondências. A sua surpresa foi descobrir que aquela pessoa tão culta e participativa era interna de um manicômio judicial. E que estava presa por ter assassinado um homem anos antes, no dia 17 de fevereiro de 1872.
Em termos gerais, posso dividir o livro em duas partes. Uma delas, pela qual menos me interessei, é sobre a descrição que o autor faz da importância do dicionário de Oxford para os ingleses. A divulgação do idioma pelo mundo, e, consequentemente, a ajuda que deu à presença do comércio inglês em todo os continentes. Isso deve interessar mais aos ingleses, claro. A outra, é a que aborda o aspecto humano, e a vida dos dois homens, principalmente do ex-médico louco. Se o livro tivesse dado bem mais espaço a ela, eu teria achado o livro bem mais interessante.
Seguem algumas revelações do enredo do livro:
Minor era um cirurgião, de família rica e tradicional, formado na prestigiosa faculdade de Yale. Ele se alistou voluntariamente na Guerra de Secessão nos Estados Unidos, em 1863. À época, os soldados que desertavam eram rigorosamente punidos quando capturados. Como médico, ele foi designado para executar a punição a um desertor irlandês, marcando o seu rosto com ferro. Esta é apontada como a possível causa para ele ter enlouquecido, ou seja, os horrores da guerra. Chegou a ser internado em um hospício nos Estados Unidos, mas foi liberado, viajando para Londres.
Ele passou a desenvolver uma ideia fixa de estar sendo perseguido por irlandeses, que estariam querendo se vingar pelo que ele fez com o seu compatriota na guerra. Acreditava que o seu quarto era invadido à noite, e ele era molestado. Em uma noite, acreditando ter visto um invasor, foi para a rua persegui-lo, e acabou matando um inocente. Foi julgado como maluco, condenado e internado em um manicômio judicial, onde passou quase 40 anos de sua vida.
Por conta de receber uma boa quantia, através do pagamento de sua reforma militar, Minor gozava de alguns privilégios. Era autorizado a encomendar livros, sua paixão; enviar cartas; pagar para outro interno fazer suas tarefas; e dedicar-se à pintura e a tocar flauta.  Isto durou até a aposentadoria do superintendente do manicômio judicial, e a sua substituição por outro, mais rígido e disciplinador.
O professor James Murray dedicou-se ao projeto de organizar um dicionário completo da língua inglesa, o‘Oxford English Dictionary’ (OED), até a sua morte, em 1915. Foi um trabalho enorme, que levou mais de 70 anos para ser concluído, e teve a sua primeira edição dividida em 12 volumes, em 1928. Além de informar o significado de cada palavra, a intenção foi determinar como e quando ela foi incorporada ao idioma pela primeira vez, incluindo a citação do trecho literário do seu registro mais antigo. Após a publicação do dicionário, inúmeros leitores encontraram registros ainda mais antigos dos que estavam na publicação, sendo “35 mil” deles apenas na Alemanha, onde chegaram a fazer concursos para descobrir esses registros.
Os dois personagens desenvolveram uma amizade que durou 30 anos, encontrando-se dezenas de vezes durante este tempo. O amor aos livros uniu os dois. Para o ex-médico, a colaboração ao projeto do dicionário serviu como um tratamento não prescrito por médicos, pois se tornou sua principal ocupação. Em 1910, após quase 40 anos internado no manicômio judicial na Inglaterra, doente e já sem colaborar mais com o dicionário, Minor foi transferido para uma instituição psiquiátrica em Washington, a pedido do irmão. A transferência foi autorizada pelo então secretário do Interior, Winston Churchill, que viria a se tornar anos mais tarde primeiro ministro. O livro deu origem ao filme “O Gênio e o Louco”, com os atores Mel Gibson e Sean Penn, que entrou em cartaz no início deste ano, e que eu pretendo assistir, claro. fr

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