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quarta-feira, 9 de setembro de 2020

"Veronika decide morrer" (trechos que eu destaquei)

         “– Vou lhe contar uma história –
         – Um poderoso feiticeiro, querendo destruir um reino, colocou uma poção mágica no poço onde todos os seus habitantes bebiam. Quem tomasse aquela água, ficaria louco.
         ‘Na manhã seguinte, a população inteira bebeu, e todos enlouqueceram, menos o rei – que tinha um poço só para si e sua família, onde o feiticeiro não conseguira entrar. Preocupado, ele tentou controlar a população, baixando uma série de medidas de segurança e saúde pública: mas os policiais e inspetores haviam bebido a água envenenada, e acharam um absurdo as decisões do rei, resolvendo não respeitá-las de jeito nenhum.
         ‘Quando os habitantes daquele reino tomaram conhecimento dos decretos, ficaram convencidos de que o soberano enlouquecera, e agora estava escrevendo coisas sem sentido. Aos gritos, foram até o castelo e exigiram que renunciasse.
       ‘Desesperado, o rei prontificou-se a deixar o trono, mas a rainha o impediu, dizendo: ‘vamos agora até a fonte, e beberemos também. Assim, ficaremos iguais a eles.’
       ‘E assim foi feito: o rei e a rainha beberam a água da loucura, e começaram imediatamente a dizer coisas sem sentido. Na mesma hora, os seus súditos se arrependeram: agora que o rei estava mostrando tanta sabedoria, por que não deixá-lo governando o país?
         ‘O país continuou em calma, embora seus habitantes se comportassem de maneira muito diferente de seus vizinhos. E o rei pôde governar até o final dos seus dias.” (Páginas 37-38)

[Zedka, uma das internas do asilo de Villete, em Lubljana, na Eslovênia, para tratar de depressão.]
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         “Veronika sabia, desde criança, qual era sua verdadeira vocação: ser pianista!
       Sentira isso desde a primeira aula, com doze anos de idade. Sua professora também percebera seu talento, e a incentivara a tornar-se uma profissional. Entretanto, quando – contente com um concurso que acabara de ganhar – dissera à mãe que ia largar tudo para dedicar-se apenas ao piano, ela a olhara com carinho, e respondera: ‘ninguém vive de tocar piano, meu amor.’
         ‘Mas você me fez ter aulas!’
         ‘Para desenvolver seus dons artísticos, só isso. Os maridos apreciam, e você pode destacar-se nas festas. Esqueça esta história de ser pianista, e vá estudar advocacia: esta é a profissão do futuro.’
         Veronika fizera o que a mãe pedira, certa de que ela tinha experiência suficiente para entender o que era realidade. Terminou os estudos, entrou na faculdade, saiu da faculdade com um diploma e notas altas – mas só conseguiu um emprego de bibliotecária.
         ‘Devia ter sido mais louca.’ Mas – como devia acontecer com a maioria das pessoas – descobrira tarde demais.” (Página 89)
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         “Na opinião de Mari, esta dificuldade não se devia ao caos, ou à desorganização, ou à anarquia – e sim ao excesso de ordem. A sociedade tinha cada vez mais regras – e leis para contrariar as regras – e novas regras para contrariar as leis; isso deixava as pessoas assustadas, e elas já não davam um passo sequer fora do regulamento invisível que guiava a vida de todos.
         Mari entendia do assunto; passara quarenta anos de sua vida trabalhando como advogada, até que sua doença a trouxera a Villete. Logo no início de sua carreira, perdera rapidamente a ingênua visão da Justiça, e passara a entender que as leis não haviam sido criadas para resolver problemas, e sim para prolongar indefinidamente uma briga.
         Pena que Allah, Jeovah, Deus – não importa que nome lhe dessem – não tivesse vivido no mundo de hoje. Porque, se assim fosse, nós todos ainda estaríamos no Paraíso, enquanto Ele estaria ainda respondendo a recursos, apelos, rogatórias, precatórias, mandados de segurança, liminares – e teria que explicar em inúmeras audiências sua decisão de expulsar Adão e Eva do Paraíso – apenas por transgredir uma lei arbitrária, sem nenhum fundamento jurídico: não comer o fruto do Bem e do Mal.
         Se Ele não queria que isso acontecesse, por que colocou a tal árvore no meio do Jardim – e não fora dos muros do Paraíso? Se fosse chamada para defender o casal, Mari seguramente acusaria Deus de ‘omissão administrativa’, porque, além de colocar a árvore em lugar errado, não a cercou com avisos, barreiras, deixando de adotar os mínimos requisitos de segurança, e expondo todos que passavam ao perigo.
         Mari também podia acusá-lo de ‘indução ao crime’: chamou a atenção de Adão e Eva para o exato local onde se encontrava. Se não tivesse dito nada, gerações e gerações passariam por esta Terra sem que ninguém se interessasse pelo fruto proibido – já que devia estar numa floresta, cheia de árvores iguais, e portanto sem nenhum valor específico.
         Mas Deus não agira assim. Pelo contrário, escreveu a lei e achou um jeito de convencer alguém a transgredi-la, só para poder inventar o Castigo. Sabia que Adão e Eva terminariam entediados com tanta coisa perfeita, e – mais cedo ou mais tarde – iriam testar Sua paciência. Ficou ali esperando, porque talvez também Ele – Deus Todo-Poderoso – estava entediado com as coisas funcionando perfeitamente: se Eva não tivesse comido a maçã, o que teria acontecido de interessante nestes bilhões de anos?
         Nada.” (Páginas 98-99)

[Mari é uma das internas do asilo de Villete, em Lubljana, na Eslovênia, mas que se internou por vontade própria, para tratar da síndrome do pânico.]
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         “Meu Deus, eu não acredito em você, mas me ajuda.” (Página 11)  -  [Mari, uma das internas do asilo de Villete, em Lubljana, na Eslovênia.]

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