Carmen Miranda tinha em seus primeiros filmes nos Estados
Unidos um “diretor de diálogos”, um brasileiro radicado em Los Angeles. Ele a
ensinava a falar os diálogos em um inglês pela sua sonoridade, explicando o
sentido para que ela pudesse fazer a interpretação adequada. Carmen falava e
cantava muito rápido, o que foi chamado de “português-locomotiva” pelo
“New York Herald”. O público nos Estados Unidos gostava disso, não se
importando em que idioma ela se comunicava, nem se não entendiam.
Ela era visto mais como uma comediante
de cinema do que propriamente uma cantora. Assim, mesmo anos depois, quando
Carmen já falava bem o inglês, os empresários faziam com que ela continuasse a
falar errado e com sotaque. Era uma de suas marcas como artista, assim como os
turbantes, os sapatos plataformas e as roupas.
Em 1941,
Carmen Miranda colocou as mãos, pés e assinatura no quadrado de cimento do Chinese
Theatre, em Hollywood. Apesar de todo o sucesso que conseguiu nos Estados
Unidos, Carmen nunca quis se naturalizar estadunidense, mesmo tendo recebido
pedidos dos produtores de cinema para que o fizesse.
Carmen quase morreu em 1943, após ter feito
uma cirurgia plástica no nariz nas mãos de um médico charlatão de Los Angeles. Houve
uma posterior infecção no fígado por conta da cirurgia, e ela chegou a ser
desenganada pelos médicos. Mas, conseguiu se recuperar. Carmen sempre quis se
casar e ter filhos, mas os homens por quem se apaixonou não tinham o mesmo
desejo.
E foi assim que ela se casou em 17 de
março de 1947, com Dave Sebastian, assistente do produtor do filme
“Copacabana”, uma comédia musical que fez com Groucho Marx no ano anterior. O
casamento foi conturbado. Segundo o livro, Dave Sebastian usava o dinheiro de
Carmen Miranda para proveito próprio, e ele não se dava bem com as irmãs dela. Dave
administrava a carreira da artista, recebendo 15% dos valores, e não o fazia
com competência.
Nos anos seguintes, Carmen Miranda passou
também a beber. E precisava cada vez mais de seus remédios para poder cumprir
sua rotina de trabalho, e justamente por causa deles dormia demais. Ela tinha
que recorrer cada vez mais às anfetaminas (estimulantes) para trabalhar. “Era
um círculo vicioso, em que a alternativa era dormir muito ou não dormir nada.”
Envelhecia antes do tempo, ficou
inchada, sua saúde foi sendo comprometida, dependente dos remédios e da bebida.
Pequenas abstinências geravam “insegurança, ansiedade, hipersensibilidade,
choro fácil, boca seca, falta de fôlego, irritabilidade e sentimento de culpa”.
Em situações mais sérias, sentia “tremores violentos, dores no corpo,
paranoias, ranger de dentes” e convulsões. Em
agosto de 1948, Carmen engravidou, um desejo antigo seu. Se fosse menino, ele
se chamaria Roberto, e se fosse menina, Maria Carmen.
“Menino ou menina, seria o produto de
um desejo tão antigo que se poderia dizer de décadas. E Carmen via ali, quem
sabe, sua última chance de ser mãe. Esse fora o principal motivo para o casamento
com Sebastian, e ela já estava aflita pelo fato de, um ano e meio depois, não
haver nem suspeita de cegonha no horizonte.”
No final do mês seguinte, porém, ela
sofreu um aborto espontâneo em Nova Iorque, e foi informada pelos
médicos que não poderia mais engravidar. Carmen nunca teve o filho que sempre
desejou ter. Depois disso, não havia mais sentido manter um casamento infeliz,
mas o marido não quis consentir no divórcio. O casal deixou de morar no
mesmo quarto, mas Dave Sebastian continuou na casa de Carmen.
Ela poderia ter convencido Dave a
aceitar o divórcio oferecendo um vantajoso acordo, mas havia outros dois
motivos para impedi-lo. A mãe de Carmen Miranda, Maria Emilia, católica
fervorosa, era totalmente contra a filha se divorciar; “e os padres da igreja
do Bom Pastor”, que também não o aceitavam. Permaneceram em uma convivência
difícil, em que Carmen o tratava muitas vezes com desprezo, mas, também, pelo
menos nos primeiros anos, em algumas vezes permitia que ele frequentasse o seu
quarto.
A
colombiana Estela Girolami era a empregada de Carmen em sua casa, desde 1951, e
a acompanhava como camareira nos shows e nas viagens. Segundo ela, a artista
alternava sentimentos:
“Estava sempre rindo e fazendo rir na
presença dos outros. Mas ficava triste e muda assim que as visitas iam embora”.
Em 1953, Carmen Miranda chegou a ser
submetida a um tratamento à base de eletrochoques em um hospital em Palm
Springs, na Califórnia. Era um procedimento bastante primitivo, em que o
paciente não recebia anestesia ou relaxante muscular, e nem tinha
acompanhamento cardíaco.
Carmen foi amarrada à mesa, “com uma
cunha de borracha na boca, para impedi-la de decepar a língua com os dentes” e
recebia uma corrente elétrica pelo encéfalo. Era uma cena horrível. Ela chegou
a perder a consciência, ter uma convulsão e até mesmo uma parada cardíaca. Após
o tratamento, Carmen dormia até o fim da tarde e acordava relaxada, mas
ausente, sem lembrar o que ocorrera. Foram cinco sessões em pouco mais de um
mês.
Em 1954,
ela viajou para o Rio de Janeiro para se tratar. Chegou no dia 3 de
dezembro. Recebeu acompanhamento do médico do então presidente Café Filho, que
recomendou que ela ficasse isolada em uma suíte no Copacabana Palace, sem sair
ou receber visitas, com exceção da irmã, Aurora. Foram 48 dias no hotel,
passando a maior parte do tempo do dia dormindo, à base de uma dieta especial,
com o objetivo de livrá-la da dependência dos remédios. Satisfeito com a
melhora, o médico permitiu que ela voltasse a sair com os amigos.
No Carnaval de 1955, Carmen foi levada
para o Hotel Quitandinha, em Petrópolis, por oferecimento do seu proprietário,
onde foram reservados dois quartos. Uma suíte presidencial para Carmen, e outro
quarto para o casal dono do hotel. Aurora descobriu que Carmen conseguiu ter
acesso a bebidas, pedindo à cantora Marlene que levasse uísque para ela; e
encontrou também tranquilizantes em sua bolsa.
Ao retornar para o Rio, o médico ainda
julgou necessário mais um tempo de retiro, e Carmen foi para o Haras Guanabara,
próximo a Bananal, em São Paulo. Carmen Miranda e a mãe retornaram para os
Estados Unidos no dia 4 de abril de 1955. Era a última vez que ela esteve no
Brasil com vida.
Em 1955, Carmen Miranda estava presa
aos medicamentos. Precisava tomar alguns para dormir, e outros para acordar. Após
retornar de Cuba, onde se apresentou, Carmen gravou, em agosto, uma
participação no programa de televisão “The Jimmy Durante Show”. No
ensaio, três dias antes da gravação, Carmen comentou com o apresentador que
estava muito cansada.
Após o programa e dois compromissos
sociais que teria no dia seguinte, ela pretendia descansar, em férias. No dia
4, durante a gravação, ela quase caiu, e precisou segurar-se em Jimmy Durante. Ela
se recuperou rápido, e ainda comentou: “Fiquei sem fôlego!”. Assista ao vídeo
no meu blog.
Ao
voltar para sua casa, em Beverly Hills, Carmen
ainda recebeu alguns convidados, além da mãe, o marido e o Bando da Lua. Ela ficou
conversando sobre sua viagem a Cuba e o programa na TV, e até cantou algumas músicas.
À meia-noite, o marido foi dormir; em seguida sua mãe; e, em seguida, aos
poucos, os demais. Somente por volta das duas e meia da manhã do dia 5 de
agosto, Carmen se despediu e foi dormir, ainda deixando algumas pessoas
conversando. No quarto, trocou de roupa, e foi para o banheiro retirar a
maquiagem.
“Na
volta, no pequeno hall entre o banheiro e o quarto, onde ficava sua coleção de
perfumes, o ar lhe fugiu de novo, as pernas lhe faltaram, e Carmen caiu pela
última vez – ali mesmo, com um espelho na mão. Uma oclusão das coronárias
fizera explodir uma vasta área de seu coração – um infarto maciço. (...)
Seus amigos, os que ficaram até depois das três, divertiam-se inocentemente
enquanto ela morria sozinha em seu quarto”.
Somente
às onze horas da manhã, a morte de Carmen foi descoberta. Foi Dave Sebastian, o
marido, que a encontrou caída no chão do hall de seu quarto. Uma semana depois,
Carmen Miranda retornava, definitivamente, para o seu país, o Brasil, mais
especificamente o Rio de Janeiro. Morreu com apenas 46 anos. O velório foi na Câmara dos Vereadores, e uma
multidão foi se despedir da ‘pequena notável’. Não houve autópsia, devido à
religião do marido, judeu, que não a autorizou. Ela foi enterrada no dia 13 de
agosto, no cemitério São João Batista, em Botafogo.
“Num dos carros do cortejo, estava o
marido, Dave Sebastian. Finalmente ele viera ao Brasil com Carmen. Para
Sebastian, valera a pena suportar todas as humilhações. Carmen se recusara a
deixar testamento e, com a morte dela, ele ficaria com as casas de Beverly Hills
e Palm Springs, os poços de petróleo (tudo isso adquirido por Carmen antes do
casamento – fora, portanto, da comunhão de bens), as ações, os depósitos
bancários e o dinheiro vivo. À família e ‘ao Brasil’, Sebastian doou os
vestidos, fantasias, turbantes, plataformas, balangandãs, adereços de palco,
fotos, partituras, objetos pessoais e farta bijuteria de Carmen – tomando o
cuidado de conservar as jóias verdadeiras, que estavam a salvo nos bancos.
Enfim, conservou os valores e livrou-se do bricabraque. A família de Carmen
nunca contestou tal divisão e ainda se deu por feliz por Sebastian não ter
cumprido a ameaça de tentar apossar-se das propriedades no Rio: a casa na Urca,
o terreno em Jacarepaguá e as salas na Avenida Presidente Vargas (o prédio de
apartamentos no Catete já não existia mais).
Mas o
que para Sebastian era bricabraque, para os adoradores de Carmen era um
tesouro. Tão generosa quanto Carmen, a família levaria as décadas seguintes
presenteando os fãs da estrela com seus objetos pessoais. Com o que se
conservou da artista foi feito o Museu Carmen Miranda, no Rio.”
No
Brasil, Carmen participou de seis filmes. Durante os 16 anos em que
viveu nos Estados Unidos, Carmen Miranda fez 14 filmes. O primeiro, de 1940,
foi “Serenata Tropical”, em que ela aparece apenas cantando. O livro informa
que “Entre a loura e a morena”, de 1943, “é considerado, quase por unanimidade,
o melhor filme de Carmen”. O seu último trabalho no cinema dos Estados Unidos
foi o filme “Morrendo de Medo”, em 1952, da dupla Dean Martin e Jerry Lewis;
que eu assisti no Telecine Cult. Carmen Miranda não se considerava uma atriz,
porque nunca aprendeu a representar; considerava-se uma “entertainer”.
Após ler o livro, fiquei interessado em
conhecer o Museu Carmen Miranda, mas o acervo estaria passando por uma
restauração por parte da secretaria estadual do Rio de janeiro, e ele está
fechado para o público desde 2013. Existe a previsão de que o acervo seja
transferido para a futura sede do Museu da Imagem e do Som (MIS), que deverá ser
inaugurada em Copacabana (não se sabe quando...).
Eu entrei em contato, por email, com o
Museu, que me respondeu que somente estão atendendo pesquisadores que
apresentarem o seu projeto para aprovação. São seis anos de museu fechado, para
mim é muito tempo! É uma pena, porque eu gostaria de poder fazer uma visita ao
museu, e mostrar minhas fotos aqui, no meu blog.
Eu pesquisei na internet e acrescento
algumas informações sobre o museu. Em 1956, foi oficialmente criado o Museu
Carmen Miranda, no Parque do Flamengo, por meio do decreto nº 886, assinado
pelo então governador do Distrito Federal, Negrão de Lima. No ano seguinte foi
organizada a primeira exposição póstuma, na Praça do Congresso, pelo presidente
Juscelino Kubitschek. A inauguração do museu, no entanto, somente veio ocorrer
em 1976.
O museu guarda uma extensa coleção de
objetos relacionados à cantora, que ultrapassa os 3.500 itens. São objetos
pessoais, como vestidos, sapatos e acessórios; documentos, fotografias,
partituras, roteiros de seus filmes nos Estados Unidos, troféus, matérias em
jornais e revistas, entre outros. Entre esses itens, estão a saia usada por
Carmen Miranda em sua estreia na Broadway; a roupa que usou em sua última
apresentação pública, no programa Jimmy Durante, no dia anterior à sua morte; o
turbante que usou em seu casamento; e a própria certidão de casamento.
No Rio
de Janeiro, há uma rua com o nome da artista, no bairro de Jardim Guanabara, na
Ilha do Governador, onde também teria um busto seu, feito pelo artista Mateus
Fernandes. Ele foi inaugurado em novembro de 1960 no Largo da Carioca, mas
desde 1979 passou a ficar no Jardim Guanabara. Não sei qual a razão para a
mudança, porque não li nenhuma ligação da artista com aquele bairro. Somente o
fato da rua ter o seu nome. Estátua em homenagem a Carmen Miranda não tem,
apesar de já ter havido um abaixo assinado de seus admirados pedindo uma.
Fica a
minha dica para quem se interessar pela leitura. fr